Na mais recente ata do Copom, de resto praticamente idêntica à sua versão anterior, os diretores do BC apresentaram uma escassa novidade. No lugar de sua crença anterior acerca do “balanço expansionista do setor público”, agora acreditam que “criam-se condições para que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade”.
Independentemente do português particularíssimo que ilumina os documentos do BC, o significado dessa expressão é simplesmente “acreditamos que o governo vai controlar seus gastos nos próximos dois anos, o que terá implicações para nossas próximas decisões acerca da taxa de juros”.
Trata-se de afirmação curiosa. O superavit primário do governo como um todo, devidamente expurgado da criatividade contábil que assola o Tesouro Nacional, encolheu para menos de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) no período de 12 meses encerrado em julho deste ano. É um valor ainda menor do que o registrado no fim de 2009, quando a economia ainda se recuperava da crise internacional.
Para fins de comparação, entre 2003 e 2008 essa mesma medida registrou um superavit médio equivalente a 3,2% do PIB, reduzindo-se à metade no período 2009-2012. Por qualquer ótica que se adote, a política fiscal nunca foi tão frouxa, pelo menos desde 1998, ainda antes da adoção do regime de metas para a inflação e do câmbio flutuante.
Sim, o Orçamento federal enviado recentemente ao Congresso promete um superavit superior a 2% do PIB em 2014, mas o Orçamento para 2013 igualmente assegurava um saldo bastante superior ao que deverá ser observado no fim deste ano.
É também impossível ignorar tanto as eleições do ano que vem como a atitude dessa mesma equipe econômica no último pleito. Em 2010, apesar dos sinais mais que claros de recuperação da economia (quando o PIB cresceu 7,5%), não houve o menor esforço para tirar o pé do acelerador fiscal, pelo contrário.
À luz do estado atual das finanças públicas, assim como do histórico deplorável da atual equipe no que tange ao desempenho fiscal em anos eleitorais, nenhum economista minimamente atento estaria disposto a comprar, a valor de face, a noção de que “o balanço do setor público se deslocará para a zona de neutralidade”, ou, na língua de Camões, que o governo esteja disposto a fazer um ajuste digno deste nome no ano que vem.
No entanto, foi exatamente isso que o BC não apenas comprou mas fez questão de deixar (literalmente) registrado em ata.
É bem verdade que o comportamento recente da inflação não qualifica os membros do Copom para a categoria dos “economistas minimamente atentos”, mas nem mesmo eles poderiam ter caído tão ingenuamente no conto da “austeridade fiscal no ano que vem”.
Nesse caso, por que teriam deixado de lado a posição (moderadamente) crítica com relação à política fiscal e expressado publicamente sua fé nas promessas governamentais?
A resposta pertence ao Copom, mas posso arriscar uma hipótese: porque o BC sabe que enfrenta limites políticos à elevação da Selic e terá que encerrar o processo de aperto monetário nos próximos meses, com a taxa de juros ainda abaixo de 10% ao ano.
As próprias projeções do BC sugerem que isso não será suficiente (a inflação permaneceria bem acima da meta até meados de 2015, pelo menos), mas nesse caso o BC teria a desculpa de “ter sido traído” (a mesma que tentou emplacar, injustificadamente, nos últimos meses), com a vantagem de ter, desta vez, registrado por escrito sua crença inabalável nas juras do governo.
A valer essa conjectura, nada mais há na mudança de posição do BC que o reconhecimento de sua submissão ao governo, apenas levemente disfarçada pela aparente ingenuidade acerca dos compromissos fiscais. São oito personagens em busca de uma desculpa, evitando cuidadosamente cumprir as funções que a sociedade delegou ao Banco Central.
Fonte: Folha de S. Paulo, 11/09/2013
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