Human Rights Watch levantou 64 casos de tortura em que mais de 150 profissionais estariam envolvidos
A organização humanitária Human Rights Watch (HRW) divulgou nesta segunda-feira denúncia com registro de 64 casos de tortura e tratamento cruel praticados por agentes penitenciários, policiais civis ou militares desde 2010. Desses, 26 casos ocorreram em São Paulo. As demais ocorrências aconteceram no Rio de Janeiro, Paraná, Bahia e Espírito Santo. Segundo o levantamento, as violações aconteceram geralmente nas primeiras 24 horas após a prisão.
Com base no documento, a HRW vai entregar ao Congresso Nacional uma carta pedindo que seja aprovado o projeto de lei que obriga que os presos sejam levados a um juiz em, no máximo, 24 horas após o flagrante. Hoje, isto ocorre, no mínimo, três meses após o início da reclusão.
A entidade teve acesso a depoimentos de testemunhas, filmagens, fotografias, laudos periciais e decisões judiciais, que evidenciam espancamentos, ameaças de agressões físicas, uso de choques elétricos, sufocamento com sacos plásticos e violência sexual. Em muitos casos, as vítimas foram submetidas a mais de uma forma de tortura, e ameaçadas para não denunciar os agressores.
A HRW mostra que as torturas não se restringiram a um só local. Ruas, residências, viaturas policiais, delegacias e presídios foram palco dos atos de violência. Segundo a organização, em muitos casos, as vítimas foram detidas em suas residências sem que os policiais tivessem mandados de busca. Pelo menos 103 policiais militares, 24 policiais civis, 17 agentes penitenciários ou agentes do sistema socioeducativo e dez agentes estatais não identificados estão envolvidos nos casos examinados.
– Quando pessoas presas têm que esperar meses para serem apresentadas a uma autoridade judicial, é improvável que denunciem abusos sofridos durante a sua abordagem, e, resolvendo fazê-lo, muitas vezes não dispõem dos meios para comprovar os abusos porque as marcas físicas já desapareceram – explica Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch Brasil.
Torturas
No Rio de Janeiro, segundo a HRW, informações sugerem que os policiais envolvidos no desaparecimento de Amarildo torturaram vários outros moradores da Rocinha em 2013. Na véspera da prisão dele, policiais militares levaram o jovem, X.Z., de 16 anos, ao Centro de Comando e Controle da Rocinha, e o ameaçaram com violência sexual. Os pais do jovem relataram à entidade e ao Ministério Público que os PMs colocaram sua cabeça dentro de um vaso sanitário cheio de fezes e o forçaram a ingerir cera líquida para que revelasse os nomes de traficantes de drogas.
Em São Paulo, um dos casos selecionados pela HRW descreve que, no ano passado, sete policiais do 1º Batalhão da Tropa de Choque e da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) detiveram o jovem de 17 anos Z.Z. em casa e o levaram para uma delegacia. Após ser liberado por falta de provas, Z.Z. voltou para a unidade policial e foi espancado por PMs da Rota, além de receber choques elétricos na barriga por meia hora, enquanto era questionado se seria ele “um tal de Zabo”. Os agentes o teriam ameaçado, dizendo que “não esqueceriam (dele) e voltariam para queimá-lo” caso denunciasse os abusos.
Ainda na capital paulista, a Human Rights Watch afirma que exames de corpo de delito de presos que denunciam abusos são tardios, realizados de forma superficial ou na presença de policiais. Poucos exames contêm fotografias das lesões, impressões digitais dos presos e outras informações essenciais à investigação.
“Apesar de importantes esforços promovidos ao longo dos últimos anos para conter esses crimes, a tortura e o tratamento cruel, desumano e degradante por agentes estatais continua sendo um grave problema em São Paulo”, diz trecho da carta.
O Projeto de Lei do Senado 554/ 2011, atualmente em análise pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, prevê que pessoas presas em flagrante sejam conduzidas à presença de um juiz no prazo máximo de 24 horas para uma “audiência de custódia”.
Em nota, o Governo do Estado de São Paulo afirma que “não tolera desvios de conduta”. O Estado afirma ainda que “todas as denúncias são rigorosamente investigadas e, comprovadas as irregularidades, os responsáveis são penalizados civil e criminalmente”. De acordo com o governo, entre 2010 e 2014, 1.497 servidores estaduais das áreas de segurança foram expulsos ou demitidos dos respectivos órgãos por desvio de conduta.
Fonte: O Globo
One Comment