Embora concordem sobre a importância da negociação com países violadores, ativistas acusam o Brasil de abandonar a luta pelos direitos fundamentais em troca de alianças comerciais. Também consideram contraproducente o diálogo com nações que não respeitam direitos humanos. A matéria é do “Estado de S. Paulo”:
“Ativistas de direitos humanos questionam a proposta brasileira de suavizar o tratamento de regimes ditatoriais na ONU, enquanto governos de Arábia Saudita, Cuba, Síria e Irã devem apresentar um novo documento que vai na mesma direção da ideia sugerida pelo Itamaraty.
O Estado revelou na terça-feira uma carta enviada pelo Brasil a todos os países da ONU. O objetivo era iniciar um debate sobre a aprovação de resoluções condenando governos por violações aos direitos humanos. Para o Brasil, essa prática não traz resultados e, portanto, uma alternativa precisa ser pensada para tornar o Conselho de Direitos Humanos (CDH) mais eficaz.
A proposta é criar reuniões informativas para debater temas, mas sem adotar resoluções ou condenar governos. Para o Brasil, o diálogo deve ganhar nova ênfase e resoluções acusatórias devem ser apenas um último recurso. Nem todos estão de acordo. A Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH)deixou claro ontem que é contra a proposta. “Não adianta dialogar com quem não quer falar”, disse a entidade. “Todos concordam em manter canais abertos, mas, em caso de violação, não se pode passar a mão na cabeça dos governos. Cobranças são fundamentais para avançar.”
A FIDH revelou que está realizando um levantamento de todos os votos do Brasil nos últimos três anos para tentar entender a posição brasileira sobre direitos humanos. O País tem sido criticado por poupar ataques contra alguns países, como Sudão, Irã e Coreia do Norte.
Outra instituição contrária é a Organização Mundial Contra a Tortura, que acusa o Brasil de ter abandonado alguns pontos da luta pelos direitos humanos em troca de alianças comerciais. Ontem, a entidade lançou um apelo para que o Irã solte 17 prisioneiros políticos que estão em greve de fome há dez dias. “O grupo é composto por estudantes e jornalistas”, afirmou Eric Sotas, diretor da entidade. Um dos prisioneiros é Majid Tavakoli. Em dezembro, ele foi preso por pedir “o fim da tirania” no Irã e cumpre pena de oito anos. “O que se pode fazer nessa situação? Dialogar?”, questionou Sotas.
O Brasil não estará sozinho quando levar o assunto ao debate na ONU. No dia 3, o Movimento de Países Não-Alinhados, que conta com Irã, Líbia, Cuba, Coreia do Norte, circulou uma nova proposta para reformar o CDH e também sugeriu formas de evitar que resoluções sejam levadas à votação sem debate.
Entre as ideias, o movimento sugere que resoluções sejam alvo de maior negociação antes de serem votadas. “Apesar de prolongar a adoção de resoluções, isto fortaleceria o sentimento de confiança e compromisso entre todas as delegações”, afirmam representantes do grupo.
O presidente do CDH, o tailandês Sihasak Phuangketkeow, também defendeu a criação de novos canais de comunicação com governos. “Todos somos a favor do diálogo. Não podemos ter sempre confrontação”, disse. Os debates sobre a revisão do CDH começam no fim do mês em Genebra.
Camarões. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu ontem os salões do Itamaraty para o ditador de Camarões, Paul Biya, que há 28 anos comanda o país.Em discurso, Lula enfatizou as posições comuns entre os governos brasileiro e camaronês. / COLABOROU LEONENCIO NOSSA
Para entender
Nos anos 70, a intenção da Comissão de Direitos Humanos da ONU de investigar alguns países criou apreensão na ditadura brasileira, que decidiu participar do órgão para obstruir seu trabalho. Países como Cuba, China e Sudão fizeram o mesmo anos depois. O fim do regime militar fez o Brasil adotar posição mais comprometida com o tema. A atuação foi positiva no órgão até os últimos anos do governo Fernando Henrique, quando o País passou a favorecer seus parceiros comerciais. Em 2001, o Brasil se absteve em votações contra a China e, em 2002, sob pressão russa, votou contra o texto que condenava a situação dos direitos humanos na Chechênia. O governo Lula manteve a mesma linha e ainda deu um verniz ideológico ao voto brasileiro. Criticada, a comissão virou Conselho de Direitos Humanos, em 2006, mas a ineficiência continuou a mesma.”
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