Nem bem as camadas tectônicas da política se acomodam, preenchendo as reentrâncias abertas pelo furacão eleitoral, e o território já começa a registrar movimentos que prenunciam o próximo sismo. Não há como disfarçar: a fogueira da campanha presidencial de 2014 começou a ser acesa. Do alto de seu prestígio no ninho tucano, o ex-presidente Fernando Henrique sugere que Aécio Neves se posicione, desde já, como o candidato do PSDB (e das forças de oposição) à Presidência da República, mesmo que a estratégia de antecipação implique jogar o senador mineiro num corredor polonês onde sofrerá solavancos e correrá o risco de ter a imagem corroída.
Os ventos eleitorais também sopram na sala principal do poder. Até então impermeável às pressões políticas, a presidente Dilma Rousseff passa a cumprir intensa agenda de articulação política, convocando lideranças de sua base para sentir o pulso e avaliar demandas. O terceiro movimento parte do presidente do PSB, o governador Eduardo Campos (PE), que olha para um lado e outro na tentativa de descobrir a vereda mais reta para caminhar rumo ao Planalto.
A movimentação dispara uma bateria de perguntas: tem sentido abrir agora a arena de 2014, quando o país se prepara para inaugurar novo período administrativo pilotado pelos prefeitos recém-eleitos? Que ameaças aguardam os contendores com a antecipação do processo eleitoral? As respostas sugerem examinar, inicialmente, a engrenagem da locomotiva econômica. É ela que puxa o trem da política. Hoje escapuliu dos trilhos. O crescimento do PIB é pífio (menos de 1% este ano?); os investidores se retraem; a gestão federal está travada, sem ações de envergadura; o retrato da desolação flagra mais de 30 obras inacabadas, ao custo de R$ 30 bilhões, segundo o Tribunal de Contas da União. A redentora transposição do Rio São Francisco vira quimera, a Ferrovia Norte-Sul vai para as calendas e os estádios da Copa sofrem grandes atrasos. Volumosos investimentos internacionais buscam novas praças. Prefeituras e Estados, de pires na mão, brigam pelo reparte dos royalties do pré-sal, enquanto a presidente Dilma, com seu estilo centralizador, usa o poder de veto (e a tinta da caneta) para agradar a uns e desagradar a outros, escancarando tensões entre os entes federativos. Para fechar a cadeia de fatores negativos, a receita usada em 2008 para girar a roda econômica (incentivo ao consumo) mostra-se inadequada. Ao fundo veem-se sombras em forma da inadimplência das famílias neste fim de ano.
É bem provável que os perfis cotados para entrar no figurino de 2014 vejam nessa paisagem esburacada oportunidade para fincar seu nome. Afinal, usar o manto de bombeiro em pleno incêndio pode fazer o diferencial de imagem. Ainda mais quando mais uma bomba explode nas cercanias do Palácio do Planalto, como se enxerga no affaire Rosemary. Dito isto, chega-se a outra bateria de dúvidas: quem garante que a paisagem devastada não será reflorestada um pouco mais adiante? Quem aposta na hipótese de enfraquecimento da presidente Dilma, cuja boa avaliação continua suplantando os índices alcançados pelos antecessores FHC e Luiz Inácio em seus primeiros mandatos? Atente-se para o fato de que a administração continua a expandir os eixos sociais do ciclo Lula (a partir do Bolsa-Família), por meio de extensões nas frentes de qualificação profissional, escola em tempo integral e saúde infantil (planos Brasil Sem Miséria e Brasil Carinhoso).
O estilo centralizador da presidente reforça seu perfil de xerife. Por isso explosões intermitentes que batem nos costados do governo não a atingem. A mineira/gaúcha mostra-se imune às intempéries que sugam os estoques de credibilidade do petismo. E não será surpresa se a imagem presidencial subir alguns metros quando a promessa de baixar em 20% o preço da energia chegar ao bolso do contribuinte. Ela confia tanto na medida que vem de desferir uma estocada nos tucanos pelo fato de estatais sob o comando de governos do PSDB não terem aderido à causa. Esse instantâneo da realidade mostra a extemporaneidade da ideia de abrir o torneio de 2014. Neste momento o país descortina novo patamar de valores e princípios na política, fruto do repertório esboçado pelo julgamento da Ação Penal 470. A expectativa geral é que as práticas dos nossos atores comecem a passar pelo filtro da moralização. Emendar uma campanha eleitoral na outra, sob a égide da velha política, quando a sociedade clama por assepsia, é tentar jogar esgoto em águas cristalinas. A hora é de faxina geral.
O pós-mensalão está a exigir uma reengenharia de métodos e processos. Todo o esforço se faz necessário para resgatar o conceito de política como missão a serviço da polis, e não de negócio entre indivíduos. A sociedade está cansada de refrãos pintados com promessas vãs. A competitividade do jogo político em nenhuma hipótese deve motivar os contendores a queimar etapas e fazer prevalecer os interesses de grupos sobre os anseios da Nação. Os jardins republicanos esperam sementes de novos frutos: mudanças em estatutos como sistema do voto, financiamento de campanha, coligações proporcionais, cláusulas de desempenho e modelos de campanha ajustados às demandas coletivas. Impõe-se fechar os compartimentos que propiciam corrupção nas três instâncias federativas. Cumpre fazer valer a Lei de Responsabilidade Fiscal, instrumento driblado por centenas de gestores públicos. Somos, por excelência, o território das leis (milhares) burladas.
Mais apropriado que antecipar cenários eleitorais seria produzir um projeto estratégico para o país, pré-requisito a acolher a ambição dos quadros políticos. Não seria mais eficaz que os governantes, neste momento, se dessem as mãos em torno de uma Operação Nacional Tapa-Buracos? A conclamação do almirante Barroso, barão do Amazonas, continua na ordem do dia: “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever”. Principalmente quem tem o dever de prestar contas à sociedade.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 09/12/2012
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