Não é novidade a aprovação de orçamentos ficcionais no Brasil, pelo contrário, essa tem sido a regra ao longo das últimas décadas. Orçamentos prevendo crescimentos irreais do PIB, levando à superestimação de receitas e ao consequente excesso de despesas, são fenômenos recorrentes no ciclo orçamentário brasileiro.
A novidade, em 2021, é no tipo de ficção. Ao invés de inflar a previsão de arrecadação de receitas, o Congresso aprovou um orçamento que subestima despesas obrigatórias, como gastos com benefícios previdenciários, seguro desemprego e com o abono salarial. Assim como as ficções anteriores, esta não foi meramente um equívoco, isto é, um erro não-intencional, mas uma manobra premeditada para possibilitar a expansão de outros gastos, especialmente com emendas parlamentares.
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Explicitado o problema, prosseguimos com a análise de suas causas e possíveis soluções.
Ao limitar o crescimento da despesa pública, o teto de gastos tornou inefetiva a ficção tradicional de se superestimar as receitas públicas, pois não importa quanta receita seja estimada, as despesas não podem crescer acima da inflação do ano anterior. Nesse sentido, para que sejam autorizadas novas despesas, é necessário que se cortem outras despesas já existentes. No entanto, não é possível cortar benefícios previdenciários daqueles que já fazem jus à aposentadoria, isto é, não é possível cortar despesas obrigatórias. Assim, foi a existência do teto de gastos que impediu a ficção orçamentária tradicional da superestimação de receitas; portanto, o cancelamento ilegal de despesas obrigatórias para elevar outras despesas configura nada menos que uma tentativa de pedalada nas normas fiscais, em especial no teto de gastos.
O Tribunal de Contas da União (TCU) avalia incluir o orçamento de 2021 no processo de apreciação de contas do Presidente da República e, caso sancione um orçamento eivado de ilegalidades, poderia estar configurado crime de responsabilidade, o que poderia ensejar num parecer pela rejeição das contas presidenciais e num possível processo de perda de mandato (impeachment).
Em meio ao impasse, existem duas alternativas para o Presidente da República:
1) Sancionar a Lei Orçamentária com vetos às dotações discricionárias aprovadas pelo Congresso Nacional e recompor as despesas obrigatórias com a abertura de créditos adicionais;
2) Sancionar a Lei Orçamentária sem vetos, com posterior envio de um PLN para alterar a Lei aprovada, recompondo as despesas obrigatórias.
Ambas as alternativas podem resolver o problema, porém, na primeira opção é possível dizer que o Poder Executivo demonstrou discordância com as ilegalidades aprovadas pelo Congresso ao exercer seu direito (no caso, dever) de veto. Por outro lado, na segunda opção haveria um argumento de que a sanção integral da LOA tornaria o Presidente cúmplice das ilegalidades.
Ressalte-se que uma terceira solução seria inflar a previsão de receitas de modo a fazer caber no orçamento tanto as despesas obrigatórias canceladas como as novas despesas incluídas pelo Congresso. Porém, como vimos, essa alternativa não é mais possível devido ao teto de gastos.
Assim, apesar da crise, o copo também pode ser visto como estando meio cheio: a evolução institucional do orçamento chegou num ponto em que o problema não pode mais ser jogado para debaixo do tapete como outrora. Os recursos são escassos e, para gastar mais com o que se quer, é necessário cortar despesas que não se quer.
Não existe almoço grátis. Se o Congresso quer retomar o controle das despesas públicas e poder escolher gastar mais em determinadas áreas, ou obras, ele precisa retomar a agenda de reformas, derrubando as diversas amarras e vinculações existentes no orçamento, além de restringir o crescimento das despesas obrigatórias.
Foto: Reprodução/Uol