Na última terça feira, 1º de julho de 2014, comemoramos os 20 anos do lançamento do real. Desde então temos convivido com inflações civilizadas apesar de ainda relativamente elevadas.
O Plano Real teve três etapas. A primeira, o Programa de Ação Imediata (PAI), lançado em junho de 1993, criou as condições fiscais para os passos sucessivos.
Entre inúmeras medidas de contenção de gasto e aumento de receita, a principal foi a aprovação, já no início de 1994 (pelo Congresso revisor da Constituição que trabalhou de outubro de 1993 a maio de 1994), do Fundo Social de Emergência (FSE), que desvinculou 20% da receita da União para permitir a construção de uma sólida poupança pública.
De fato, em 1994 o superavit primário do setor público consolidado elevou-se em três pontos percentuais do PIB em relação ao ano anterior, atingindo 5,2% do PIB.
O grosso desta melhora fiscal, como tem sido recorrente desde então, deveu-se à elevação da carga tributária, que aumentou 2,6 pontos percentuais do PIB de 1993 e 1994.
A segunda parte do plano foi a edição em 1º de março de 1994 (aprovada pelo Congresso em 20 de maio) da medida provisória que criou a Unidade Real de Valor (URV). Aí estava a parte mais engenhosa do plano.
A URV era uma unidade de conta – apesar de não existir enquanto realidade física – que grosso modo acompanhava o câmbio. A economia dolarizou-se sem se dolarizar. De forma transparente e prevista, criaram-se as condições para que em 1º de julho de 1994 a nova moeda, o real, fosse implantada. O resto da história é bem conhecido.
O grande erro de gestão do plano de estabilização foi a piora fiscal que ocorreu de 1995 a 1997. O superavit primário reduziu-se 5 pontos percentuais do PIB em 95 (ante 94) atingindo 0,2% do PIB. Em 96 o primário zerou e em 97 tivemos deficit primário de 1% do PIB.
A forte piora fiscal foi consequência do impacto desastroso que a estabilidade de preços teve sobre a execução orçamentária do setor público. Anos de inflação fizeram com que o Congresso aprovasse um Orçamento inexequível que era executado com controle na boca do caixa.
Antes do Plano Real, dado que a receita de impostos era bem indexada, e o gasto, não, pequenos atrasos na liberação dos pagamentos ou na autorização do início de um programa ou de uma obra ajustavam o Orçamento à realidade da receita.
O fim da inflação retirou do Tesouro esse instrumento de execução orçamentária. A contrapartida da piora fiscal foi a forte elevação da fatia do consumo das famílias e do setor público no produto, de 77,5% do PIB em 1994 para 83,5%.
O desequilíbrio do setor público foi refletido na piora externa. O câmbio valorizou-se, o deficit de transações correntes ultrapassou 4% do PIB, as dívidas pública e externa aumentaram.
O erro do plano não foi empregar em demasia a âncora cambial. O erro foi demorarmos tanto para enfrentar o problema fiscal. Quando as condições externas pioraram e não havia mais condições de financiarmos externamente nossos desequilíbrios, alteramos o câmbio e fizemos um forte ajuste fiscal.
O superavit primário elevou-se de 0% do PIB em 1998 para 2,9% do PIB em 99. Foi a melhora fiscal em 99 que garantiu que o real não fosse um novo Plano Cruzado e a inflação voltasse. É devido ao ajuste fiscal que estamos hoje comemorando os 20 anos do real e os 20 anos de estabilidade de preços. E este é o maior legado do Plano Real.
A estabilidade de preços teve forte impacto sobre a pobreza. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a renda do trabalho para o 1º centésimo e o 1º décimo da distribuição de renda elevou-se em 50% ante o valor médio vigente no período de 1984 a 1993.
Avalio que o Plano Real é obra completa. Representou fantástico programa de ajuste monetário de uma economia acometida de hiperinflação crônica (quase que uma contradição em termos).
Os elevados juros reais que nos perturbam até hoje resultam da baixíssima taxa de poupança de nossa sociedade. Esta, como tenho seguidas vezes argumentado neste espaço, resulta de uma escolha social. Assim, será tarefa da política na próxima década criar as condições para que os juros reais caiam permanentemente. Dependerá de medidas que elevem fortemente a poupança pública.
Fonte: Folha de São Paulo, 6/7/2014
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