Na campanha de 2018, o valor do patrimônio da União virou objeto de debate como “nunca antes neste país” tinha ocorrido. Mesmo lidando com temas fiscais há mais de 30 anos, tive dificuldade em me localizar nesse debate, dada a escassez de dados. Felizmente, na mesma época da campanha, em agosto de 2018, Josué Alfredo Pellegrino publicou um excelente artigo, Análise da situação da União com base no seu balanço patrimonial, como Estudo Especial (número 6) da Instituição Fiscal Independente (IFI). Os méritos pelas informações que vou expor aqui – com o objetivo, apenas, de dar maior difusão ao estudo, conhecido por poucos especialistas na matéria – cabem inteiramente a ele. A fonte primária dos dados foi o Balanço Geral da União. Os principais números estão expostos abaixo e todos se referem ao valor dos imóveis da União em 2017, em bilhões de reais, somando um total de R$ 1,05 trilhões.
A. Bens de uso especial (558)
A.1. Fazendas, parques e reservas (160)
A.2. Terrenos e glebas (135)
A.3. Aquartelamentos (103)
A.4. Imóveis uso funcional (34)
A.5. Edifícios (26)
A.6. Aeroportos e aeródromos (21)
A.7. Outros (79)
B. Bens dominicais (215)
C. Bens uso comum (216)
D. Bens imóveis em andamento (57)
E. Outros (inclui desconto da depreciação) (4).
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Antes de examinar os dados, cabe lembrar que os imóveis são uma parte do ativo do governo federal, que envolve também itens como o caixa da União, os empréstimos e financiamentos e as participações acionárias. Sobre estas, registre-se que as participações permanentes eram de R$ 308 bilhões na mesma data e que, nelas, as participações em empresas correspondiam a R$ 252 bilhões, computando apenas a parcela em mãos da União, e não o valor das empresas como um todo. Retirando desse valor a empresa considerada “estratégica” por excelência pela área política e militar – Petrobrás – e o trinômio financeiro estatal – Banco do Brasil, Caixa e BNDES – o valor que sobrava, a valores da época, era de R$ 45 bilhões.
No caso dos imóveis, o ativo nessa rubrica é de fato expressivo (mais de R$ 1 trilhão). O autor do citado texto abre esse valor nas seguintes grandes rubricas principais:
i) bens ditos “de uso especial”, que iremos detalhar posteriormente;
ii) bens definidos como “dominicais”, que são aqueles que a União pode utilizar para deles extrair renda ou que ficam desocupados, sendo 70% deles sob gestão da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário;
iii) bens considerados “de uso comum”, tais como rodovias e estradas; e
iv) bens denominados “em andamento”, a maior parte dos quais em órgãos dependentes dos Ministérios dos Transportes, da Educação e da Defesa.
No caso dos bens de uso especial, seu valor justifica uma maior desagregação, que é feita abrindo o dado nos seguintes subitens mais importantes:
a) fazendas, parques e reservas, b) terrenos e glebas, c) aquartelamentos, d) imóveis de uso funcional, e) edifícios e f) aeroportos e aeródromos.
Pode-se, então, fazer alguma inferência acerca de quanto se poderia arrecadar com o que for possível pôr à venda do patrimônio de R$ 1,05 trilhão. Para isso é preciso deixar de lado os itens “fazendas, parques e reservas”, “aquartelamentos”, “imóveis de uso funcional” e também os “bens de uso comum”. Isso nos deixa com um conjunto composto apenas pelas rubricas “terrenos e glebas”, “edifícios”, “aeroportos e aeródromos”, “bens dominicais”, “imóveis em andamento” e “outros”, num total de R$ 537 bilhões.
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O fato de tal valor ser potencialmente passível de venda não significa que a operação possa ser concretizada e, menos ainda, que venha a sê-lo pelo valor que consta do balanço. Há dois obstáculos cruciais a serem enfrentados nesse processo. O primeiro é o papel dos diversos órgãos de controle, que provavelmente seriam consultados para que os administradores públicos não viessem a sofrer acusações posteriormente. O segundo é a diferença que se verificará em muitos casos entre o valor de registro para efeitos contábeis e o que efetivamente poderá ser apurado na venda.
Vale aqui fazer o paralelo com a situação de uma família. Imagine o leitor que recebeu uma herança de um imóvel de um tio distante que mora em outro Estado e não tinha filhos. O imóvel teve seu momento de glória nos tempos dourados do tio, 40 anos antes, mas com a doença do citado parente, há muitos anos que, precisando de reformas, não sofria nenhuma benfeitoria. Para piorar, por conta de uma pendência com um valor atrasado do IPTU, a situação do imóvel só foi regularizada cinco anos depois da morte do tio. Finalmente, o fato de o imóvel estar em outro Estado é um transtorno a mais. Provavelmente, embora a preços atuais, na cabeça do seu tio o imóvel “valesse” R$ 1 milhão, provavelmente o sobrinho se daria por satisfeito por receber R$ 300 mil ou R$ 400 mil e se livrar dessa dor de cabeça. Algo parecido se dá na maioria dos casos antes citados.
O raciocínio acima exposto nos remete de volta ao velho tema do ajuste fiscal. Imaginemos uma família que, por uma série de razões, somando as rendas do casal, ganha R$ 5 mil e gasta R$ 6 mil. Vender as “joias da avó” que a esposa ganhou no casamento, no valor de R$ 12 mil, pode ser uma solução temporária, permitindo ao casal “empurrar o problema com a barriga” por 12 meses, financiando o desequilíbrio com o resultado da venda ora de um brinco, ora de um colar. Ao fim de um ano, porém, a situação será igual à inicial – e não haverá mais joias para vender. Cortar custos ou arrumar algum “bico” para aumentar a renda será, então, tarefa inevitável.
Algo análogo acontece com a privatização e a venda de ativos: podem ajudar por algum tempo. Cedo ou tarde, porém, a obrigação do ajuste fiscal se impõe.
Fonte: “Estadão”, 01/05/2019