O ano de 2020 começou para os brasileiros com a perspectiva da continuidade da agenda de reformas. A necessidade de arrumar a casa, ajustar as contas e reformular o serviço público é reforçada a cada dia. Medidas essenciais para a sustentabilidade financeira e a retomada dos investimentos são fortificadas em um cenário de cada vez mais instabilidade na economia mundial, por conta da pandemia do novo coronavírus. Confira, a partir de agora, uma série especial sobre o andamento das reformas estruturais até agora e o prognóstico para a tramitação dos projetos neste ano.
Uma das propostas mais importantes apresentadas pelo governo para este ano é a reforma administrativa. A ideia é criar um novo marco regulatório para o funcionalismo federal, adequando o serviço público à realidade do país. Além de economia aos cofres públicos, com o corte de gastos desnecessários, a proposta tem o objetivo de aumentar a eficiência e dinamizar a prestação dos serviços, com medidas como a atualização das regras de estabilidade, que seriam flexibilizadas. Em entrevista ao Millenium, o especialista Pedro Trippi destacou que a principal alteração é o aumento da produtividade no setor público. “A reforma busca criar melhores incentivos para os servidores, premiar os bons profissionais e trazer choque de eficiência e produtividade, que vai, em última análise, resultar em serviços públicos de melhor qualidade para o contribuinte que está na ponta”, disse.
A correção de uma série de distorções na máquina pública também é outra prioridade. “Por exemplo: a remuneração inicial para carreiras jurídicas no plano federal está em torno de R$ 15 mil a R$ 20 mil, o que é um valor bem elevado. Em muitos casos, o funcionário público atinge o topo da carreira em pouco tempo. Em algumas carreiras, isso acontece em 12 ou 14 anos. São pessoas que com 35 ou 40 anos já estão no topo, sem perspectiva de crescimento. Os prêmios salariais também são bem inflados. A reforma vem exatamente para buscar corrigir todas essas distorções”, disse, destacando o modelo de progressões baseado mais no mérito do trabalho que no tempo de serviço, como funciona atualmente.
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Um dos pontos mais discutidos da reforma administrativa é com relação à estabilidade dos funcionários. A medida existe em diversos países e tem o objetivo de evitar que o funcionário público seja demitido ou perseguido pelos agentes políticos. No entanto, a falta de regras claras fez com que este modelo também fosse distorcido com o tempo. “Não é verdade que o governo vai acabar com a estabilidade. Temos que esperar a proposta que será apresentada, mas, provavelmente, o servidor vai ter que trabalhar mais tempo para conseguir essa estabilidade. Com a reforma, espera-se uma melhor regulamentação da avaliação de desempenho”, disse.
Outro detalhe que entra em pauta quando o assunto é o novo conjunto de regras é a abrangência das medidas. O governo federal ainda não finalizou a proposta que será levada ao Congresso Nacional, mas já sinalizou que as mudanças serão válidas apenas para os novos servidores, respeitando o direito adquirido de quem já prestou concurso público nas regras antigas. Na visão de Pedro Trippi, no entanto, o novo modelo deveria valer para todos. “A questão é política, para diminuir a resistência à reforma. Vale lembrar que o governo federal vai ter fluxo grande de aposentadoria nos próximos anos, ou seja, é uma oportunidade muito grande pois vamos ter muitos funcionários entrando na máquina pública. Não englobar quem já está no serviço público não é o ideal, mas é o que é possível ser feito do ponto de vista da política”, disse.
Pacote Mais Brasil
Outro conjunto de reformas estruturais é o Pacote Mais Brasil, apresentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em novembro do ano passado. São três Propostas de Emenda à Constituição, que pretendem flexibilizar o Orçamento – que, atualmente, conta com 94% das despesas obrigatórias. Algumas das medidas são debatidas há muito tempo, como a revisão do Pacto Federativo, com uma série de ações que permitem mais protagonismo por parte dos governos municipais e estaduais.
O economista Armando Castelar abordou o assunto e destacou a necessidade da descentralização das verbas.
“Existe uma filosofia em termos de gestão pública de que o governo mais próximo do cidadão tem mais capacidade de avaliar o que é necessário a cada caso. Os municípios e regiões têm necessidades diferentes. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem uma população mais idosa do que a média do Brasil, sinalizando uma atenção maior na saúde. Então, descentralizar permite a ideia de que há mais democracia, tem atividade do setor público mais sob medida para as necessidades do eleitorado local”, disse.
Outra ação importante no Pacote Mais Brasil é a PEC Emergencial, que cria gatilhos automáticos de controle das contas públicas. A proposta prevê a definição do “estado de emergência fiscal” para a União, quando o Congresso autorizar o desenquadramento da regra de ouro – que permite a emissão de dívida para o financiamento de despesas correntes. Nos Estados, ele será decretado quando a despesa corrente ultrapassar 95% da receita – algo que já acontece no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Tocantins, Piauí, Maranhão e Acre. Nesses casos de grave crise, os benefícios deixariam de ser corrigidos pela inflação – apenas a Previdência e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ficariam de fora. Os três níveis de governo seriam proibidos de promover funcionários e impedidos de conceder reajuste, criar cargos, reestruturar carreiras, fazer concursos ou criar novas formas de repasse.
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Castelar explicou que a modelagem da proposta ainda está sendo debatida, o que faz com que não haja tramitação. “Com a Emenda Constitucional 95, que criou o Teto dos Gastos, houve uma linha que é a seguinte: se o governo passar do teto, ele tem que tomar medidas que limitem a expansão dos gastos nos anos seguintes, como a questão da contratação e aumento para o funcionalismo. Juridicamente, no entanto, se discute a forma como essas medidas vão ser adotadas. A aplicação não é exatamente clara na operacionalização”, afirmou.
Outro ponto de destaque no Pacote Mais Brasil, a questão da infraestrutura também deve ter uma melhor modelagem, garantindo segurança jurídica ao setor privado e, por consequência, a retomada dos investimentos. “O que mais trava é a dificuldade de bons projetos. O Brasil tem uma enorme carência e existe muita oportunidade de investimento com demanda reprimida, mas a preparação é muito difícil em qualquer lugar do mundo e o Brasil sofre de muitos fatores, como a dificuldade de material humano e de recursos de capitais. O que a gente vê são quase mil obras paradas e projetos muito ruins, que precisam parar no meio etc. O setor privado não sabe muito bem onde entra. A preocupação maior, portanto, precisa ser nessa parte de preparação”, destacou.