“Não acho que as empresas sejam objetos de revoluções. Empresas são objetos de evoluções”. Prestes a assumir a presidência da Vale, o experiente executivo Fabio Schvartsman refere-se precisamente aos tempos em que comandou a Klabin. Sabia que precisava ajudar a modernizar a empresa, mas o caminho não era o de “enfrentar de frente uma cultura forte” ou pregoar reformas revolucionárias. Era reinventar o que já existia — evoluindo, valorizando aspectos positivos da empresa, mantendo as mesmas pessoas e alterando uma ou outra política de incentivos. Parece que deu certo. Durante a gestão de Schvartsman, a Klabin se profissionalizou e dobrou de tamanho.
Esta e outras reflexões de CEOs brasileiros estão narradas no livro “Diálogos com CEOs”, organizado e produzido pelos sócios da consultoria Corall. Entre os sócios, está Fábio Betti. Consultor e jornalista, ele diz que o objetivo do livro é mostrar como os executivos brasileiros estão enxergando as transformações, quais propósitos os inspiram e que dilemas enfrentam. “Todos veem a necessidade de reinventar seus negócios. Não necessariamente através de inovações disruptivas, mas de trazer à tona, no mínimo, as inovações incrementais”, diz Betti. Para conseguir comandar essas mudanças, eles precisam aprender a lidar com desafios práticos — como a chegada dos millennials — e até emocionais. “Muitos deles estão em uma fase da vida que começam a pensar em legado, em questionar o que vão deixar de exemplo”. Na entrevista abaixo a “Época Negócios”, Betti comenta qual diagnóstico sobre a liderança nas empresas brasileiras que o livro traz:
O livro traz entrevistas com 20 CEOs brasileiros, de grandes empresas tradicionais até empresas consideradas inovadoras atualmente. Qual o diagnóstico que vocês fazem sobre a liderança atual que o Brasil tem hoje nas empresas?
A primeira constatação é que dos 20, apenas 3 são mulheres. Isso reflete de certa forma o que vemos nas empresas em termos de representatividade. Agora, em termos de diagnóstico, o que vimos é que todos os CEOs com quem conversamos, sem exceção, veem a necessidade de reinventar seus negócios. Não necessariamente através de inovações disruptivas, mas de trazer à tona, no mínimo, as inovações incrementais. Todos esses executivos também estão vivendo jornadas de transformação — independente se comandam um negócio antigo (como no caso do Walter Dissinger, CEO da Votorantim Cimentos) ou especializado em startups (como o Alexandre Veiga, CEO da AgVali). Eles se mostram preocupados em reproduzir aquele modelo de gestão que ficou famoso na década de 80 e que privilegiava antes de tudo a eficiência. Reconhecem que agora seus funcionários não querem apenas uma remuneração justa ou plano de carreira. Querem trabalhar em um negócio onde haja diálogo, qualidade de vida, propósito.
E como os CEOs brasileiros estão encarando a crise?
Todos vivemos a crise de uma forma ou de outra e a situação macroeconômica impacta sim nos resultados de curto prazo das organizações. Mas, no final, percebemos ao conversar com esses CEOs que a crise é útil por gerar energia e contexto para que eles mostrem a acionistas e controladores de que é preciso promover mudanças nas empresas. A crise gera obrigatoriamente a necessidade de se fazer algo diferente.
O maior desafio para os CEOs hoje então reside em gerir pessoas ou negócios?
Todos eles sabem que a solução e o desafios são as pessoas — e que é preciso saber lidar com elas. O Rafael Santana, CEO da GE, por exemplo, conta no livro a estratégia que usa para se “reinventar todos os dias”. Ele diz que a tendência da maioria das pessoas é se cercar de pessoas parecidas, que elogiam, falam bem de você, têm opiniões parecidas. Mas o Santana diz: isso é viver num palácio de cristal. Por isto, ele fala que sempre busca se cercar de pessoas que realmente falem o que pensam. O Allan Finkel, gerente-geral da Brasil Novo Nordisk, disse que a primeira atitude que tomou quando chegou à empresa foi promover conversas individuais. Ele, que é um CEO jovem, não queria se sentir isolado e queria tornar o ambiente mais humano. Buscou ver quem eram as pessoas influentes para pequenos diálogos. Preferiu isto a ser um CEO ativo que promove discussões e ações nas redes sociais e até transmissões em vídeo, como o Mark Zuckerberg faz. Já o Daniel Campos, da AkzoNobel, faz questão de assumir suas imperfeições, dizer onde errou. Ele sabe que o espaço criado para a inovação está diretamente relacionado com esse reconhecimento de que todo processo terá falhas. Veja, isto é algo que vai na direção contrária ao que é dito nas escolas, nos MBAs. Lá, há sempre o discurso de que é preciso se fortalecer como executivo, criar a persona perfeita super poderosa. Quando o CEO traz esse aspecto de imperfeição cria uma organização muito mais poderosa do que aquela criada pelo CEO perfeito inatingível.
Muitos CEOs criticam os millennials dizendo que eles têm pressa e são ansiosos para ganhar mais. De forma geral, o que os CEOs entrevistados disseram sobre a geração Y?
Ouvi pouquíssimas críticas. Acho que há um reconhecimento da parte deles de não saber lidar com esta geração — já que a maior parte dos CEOs é ainda da geração X ou até baby boomers. Há um não entendimento. Mas há também um desejo de entender e aprender com eles até porque a maior parte dos funcionários das empresas que eles lideram já é da geração Y. Eles dizem, porém, que é muito difícil aprender algo novo. As escolas desses CEOs ainda são clássicas, quem está lá ensinando não aprendeu como “desmaterializar” o negócio, transformar em aplicativo, em algo mais fluido para exponencializar as organizações. Eles dependem da geração Y que já nasceu com esta mentalidade. Por outro lado, eles sabem que têm muito a ensinar, sobre resiliência, por exemplo. Então há uma oportunidade entre essas duas gerações de aprendizado e eles falam muito disso. Mas há também maneiras peculiares de lidar. Um caso que me chamou atenção foi o do Alexandre Hohagen (CEO da Nobox), que teve na última fase da carreira passagens por Google e Facebook. E ele fala que não libera os celulares para as filhas adolescentes dele. Ele diz ter medo do conhecimento raso que as redes sociais estão proporcionando aos jovens. E o que ele faz então? Ele tem três meses de férias por ano e viaja com toda a família para um lugar diferente. Foram para a Alemanha recentemente e todos leram o livro da Anne Frank para que chegassem lá e pudessem discutir a história e entender melhor alguns lugares que visitariam. É uma preocupação que parece inversa, de voltar aos livros como educação e não ficar restrito ao modo conhecimento 140 toques do Twitter.
O que eles afirmaram valorizar na hora de contratar jovens executivos para posições importantes?
Tanto o Romero Brito (cofundador do Buscapé) quanto o Alexandre Bio Veiga disseram que olham para um aspecto primordial antes de entrevistar. Quantas empresas aquele jovem trabalhou nos últimos anos? Se foram muitas, eles questionam: se você trabalhou em oito empresas em cinco anos, o que você construiu? Quais os projetos que começou e terminou? Para o Romero, particularmente, este é um drama. “A geração quer ter muita experiência em pouquíssimo tempo, mas não consegue realizar tudo”. O Alexandre fala muito sobre ego e propósito no trabalho, “algo associado à geração Y mas que viram chavão”. Ele diz: “eles querem mudar o planeta então? Tudo bem, mas primeiro baixem a bola, façam as coisas que precisam fazer antes de mudar o planeta”.
O que esses CEOs falam sobre propósito no trabalho? É fácil ter propósito se você trabalha em uma empresa bacana ou em um trabalho onde você visualize claramente o “bem” que está gerando. Mas não é este o caso da maioria dos funcionários da indústria, comércio, serviços…
O Zeca, da Tarpon, fala muito de produto e propósito. Ele diz que as empresas ficam propagando e inventando por aí seus propósitos e buscando quem se adeque a eles, mas o propósito você descobrirá no seu dia a dia. O propósito da empresa, segundo o Zeca, é a vocação dela. Parece que até isso virou produto, sabe? Gourmetizou, digamos. A Andréia Rolim, da Yum!Brands, diz que você precisa, sim, gostar do seu trabalho, mas não “amar o que você faz” ou ter uma relação de “paixão com a empresa”. É preciso ter cuidado para baixar esse tom da “paixão” pelo trabalho, muito difundido por aí como a solução para felicidade. O mundo todo mergulhou demais nisso e criou um cenário impossível. Meu primeiro emprego, por exemplo, foi de atendente do McDonald’s. Mas me pergunte se eu amava fritar batata frita. Acho que é preciso haver uma conversa mais honesta com as pessoas. A pergunta deveria ser sobre sentido. “Faz sentido ou não para você fazer o que você faz?”. O problema é que a conversa do propósito geralmente fica restrita a: “você se conecta ou não a este propósito?”. A resposta que vem é um “sim ou não, senhor”. Percebe que não há diálogo desta forma?
Quais os dilemas que os CEOs enfrentam atualmente?
Todos têm os seus dilemas particulares, vivem no ápice da pirâmide sob pressão dos funcionários, pressão da própria sociedade. Eles estão no olho do furacão, mas raramente mostram essa vulnerabilidade. Muitos deles estão em uma fase da vida que começam a pensar em legado, em questionar o que vão deixar de exemplo. O Fábio Schvartsman, por exemplo. É evidente que ele não foi assumir a presidência da Vale por uma questão financeira, puramente de salário. Ele ficou muitos anos na Klabin e agora deve querer um novo desafio. Também vemos alguns executivos buscando uma liderança mais humana, como o Marcelo Willer, da Alphaville Urbanismo. A questão é que quando a liderança é humana de verdade isso pode ser para o bem ou para o mal. Haverá sempre o dilema entre atender aos interesses dos acionistas ou dos outros stakeholders, entre privilegiar a visão de curto ou de longo prazo. Mas se a empresa só focar no acionista, não gerará resultado sustentável e, assim, não gerará resultado sustentável para o próprio acionista. De forma geral, não garantirá o sucesso no longo prazo.
Fonte: “Época negócios”, 8 de maio de 2017.
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