Até parece que o deputado Miro Teixeira, do PDT do Rio, estava adivinhando quando, antes mesmo de a CPI começar formalmente seus trabalhos, anunciou que um dos seus objetivos principais deveria ser a garantia de que o dinheiro eventualmente desviado dos cofres públicos fosse devolvido. Por isso, encaminhou proposta de indisponibilidade dos bens de pessoas e empresas suspeitas de envolvimento no escândalo.
Num país em que o dinheiro roubado dos cofres públicos quase nunca é restituído, essa seria uma decisão fundamental da CPI. Segundo dados oficiais da Controladoria Geral da União (CGU), do total de recursos desviados em casos de corrupção na esfera Federal em 2011, só 15,39% foram recuperados, num total de R$ 2,14 bilhões. A meta para este ano é aumentar para 25% essa restituição.
A lista de Miro incluía o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o senador Demóstenes Torres, o empresário Fernando Cavendish, dono da construtora Delta, e empresas-fantasmas ligadas à empreiteira identificadas nas investigações da Polícia Federal.
Com o anúncio da venda da empreiteira para uma empresa de outro ramo de negócio que tem o BNDES como sócio – a J&F Participações é uma holding que controla a empresa de alimentos JBS, a de higiene e limpeza Flora, a de papel e celulose Eldorado Brasil e o banco Original -, Miro pediu imediatamente ao Ministério Público Federal providências para impedir a venda, com o objetivo de garantir que, em caso de condenação por corrupção, o dinheiro possa ser restituído.
Para tanto, pediu que fossem relacionados e tornados indisponíveis todos os bens da empreiteira, para evitar “essencialmente que bandidos encontrem no crime uma atividade lucrativa e vantajosa”.
O procurador regional da República Nívio de Freitas Silva Filho requereu a abertura de inquérito civil público para apurar possíveis irregularidades na venda da construtora Delta ao grupo J&F, e o pedido será analisado pela área de Patrimônio Público, que pode estar sendo afetado já que o BNDES, um banco público, tem 30% da empresa.
O temor é que a venda faça parte da desconstrução da empreiteira que estava em curso desde que a CPI foi instalada, com o objetivo de tentar fazer com que ela desaparecesse do noticiário e, pelo visto, da vida real também.
A Delta já saíra das obras do Maracanã e das obras da Petrobras, como que para se desligar dos governos estadual do Rio e Federal, em que, ao final de 2011, era a principal fornecedora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com contratos avaliados em mais de R$ 2 bilhões.
A prisão de seu diretor para o Centro-Oeste, Cláudio Abreu, fez com que o relator da CPI quisesse restringir as investigações da empreiteira àquela região do país, e, mesmo depois das evidências de que essa atitude fora rejeitada pela CPI, ele insiste em começar as investigações sobre a empreiteira pelo diretor preso.
Como o próprio deputado Miro Teixeira disse na abertura dos trabalhos, quando se discutia a organização dos depoimentos, “réu preso tem preferência”. O que não quer dizer que o empreiteiro Fernando Cavendish não tenha necessariamente que ser ouvido, ainda mais agora, depois do anúncio da venda em tempo recorde.
A CPI terá condições de investigar qual a verdadeira relação do bicheiro Carlinhos Cachoeira com a empreiteira, pois a promiscuidade dos negócios de ambos sugere que Cachoeira tem mais a ver com a Delta do que os documentos demonstram.
As transferências de dinheiro da Delta para empresas do bicheiro estão sendo também investigadas, depois dos depoimentos dos delegados da Polícia Federal que atuaram nas operações Vegas e Monte Carlo.
“Se a Delta fez transações com empresas-fantasmas, se envolveu em negócios escusos, como é que a solução é vendê-la? Eles metem o dinheiro no bolso?”, questiona o deputado Miro Teixeira, que pediu ao MPF o cancelamento do negócio como “medida assecuratória”.
Tenho me referido aqui na coluna ao fato de que os que pretendem convocar o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, para depor na CPI o fazem por causa da denúncia do mensalão, mas essa referência genérica leva a um entendimento incorreto sobre o autor da denúncia do mensalão, que foi seu antecessor, o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza.
Gurgel foi o autor das alegações finais do caso do mensalão, já em 2011, e terá, por decisão do plenário do Supremo, cinco horas para fazer a acusação no julgamento.
As alegações finais, também ato processual como a denúncia, são uma manifestação das partes sobre a procedência ou improcedência da acusação estampada na denúncia, e devem se limitar aos fatos narrados na denúncia, às provas coligidas na instrução criminal, questões processuais e pedido de condenação ou absolvição.
As alegações finais do MP não podem acrescentar um milímetro à denúncia, qualquer modificação só é possível através de um aditamento à denúncia.
Foi o que o então procurador-geral Antonio Rangel fez retirando do rol dos acusados o ex-ministro Gushiken, por falta de provas, mantendo todas as demais acusações.
A Comissão da Verdade anunciada ontem pelo Palácio do Planalto tem uma composição à altura da responsabilidade da sua missão, que é a de revelar detalhes históricos que foram sonegados ao cidadão brasileiro pela falta de transparência característica das ditaduras e geralmente por força da censura à imprensa.
O mesmo governo que criou a Comissão da Verdade não pode, portanto, ser responsável pela tentativa de cercear a liberdade de expressão com o projeto de um suposto “controle social da mídia”, que não passa de uma tentativa de censura que não tem a coragem de assumir a intenção.
Fonte: O Globo, 11/05/2012
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