Convidado pelo Centro de Pensamento Estratégico da Colômbia, importante fórum de debates entre governo, setor privado e universidade criado pelo Ministério das Relações Exteriores daquele país, participei em Bogotá, na semana passada, de encontro promovido pela Cátedra Ásia-Pacífico para discutir as percepções e políticas do Brasil em relação a esse continente. Voltada para o Pacífico, a Colômbia, juntamente com Peru, Chile e México, está buscando ampliar a cooperação com os países asiáticos.
Em minha apresentação, ressaltei a prioridade que o governo brasileiro vem dando à Ásia nos últimos dez anos, no contexto da política Sul-Sul. Chamei também a atenção para as medidas que foram tomadas para ampliar a cooperação com a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) e para os efeitos da crescente influência, particularmente da China, sobre a economia e a política externa brasileiras.
Em uma década a Ásia se tornou a principal parceira do Brasil, superando a União Europeia e a América Latina. A China desde 2009 passou a ser o mercado individual mais importante, ultrapassando os EUA. Em 2011 mais de 28% das exportações e 31% das importações do Brasil estão concentradas na Ásia. A decisão da presidente Dilma Rousseff de visitar a China em sua primeira missão oficial fora da América do Sul demonstra a relevância que tem esse país na política externa brasileira.
As transformações que ocorrerão no mundo sinocêntrico, em rápida formação, obrigarão países como o Brasil a tomar, no curto prazo, decisões estratégicas para corrigir distorções na economia e para modificar as ênfases no relacionamento com seu entorno geográfico.
As nossas dinâmicas relações com a China estão trazendo oportunidades e desafios que terão de ser respondidos não com improvisações, mas a partir de uma visão estratégica de médio e de longo prazos. As exportações de produtos agrícolas e de minérios deverão continuar a crescer. E a gradual substituição de produtos industriais brasileiros por produtos importados da China poderá acentuar a queda da participação da indústria no nosso produto interno bruto (PIB). A tendência da concentração das exportações em poucos produtos primários e a desindustrialização – se, no curto prazo, não forem enfrentadas com políticas efetivas – poderão reduzir o Brasil à categoria de simples produtor de commodities e a nossa indústria, ao mercado doméstico. É isso que desejamos para o nosso país? Como aumentar a competitividade da economia brasileira para evitar efeitos negativos sobre a indústria? Como executar uma política de atração de investimentos nas áreas de alta tecnologia? Qual o papel do Estado na busca da inovação para modernizar o parque industrial e diversificar as nossas exportações?
Os efeitos negativos da reprimarização e o desaparecimento de setores industriais pela competição com produtos chineses começam a ser sentidos também nos demais países da região. Qual o efeito disso sobre nosso relacionamento com os vizinhos e sobre o processo de integração regional? À luz dessas realidades, o Brasil precisa repensar a visão que temos da parceria com nossos entorno geográfico. A América do Sul está dividida, dificultando a busca de convergências políticas e comerciais. O crescimento do intercâmbio comercial, apesar da paralisia das negociações para aumentar as trocas entre os países sul-americanos, faz com que acentue a percepção de que a integração regional não é mais necessária. Uma maior projeção brasileira no mundo tenderá a reduzir gradualmente o peso da América do Sul na nossa política externa.
O crescimento da nossa economia e a presença cada vez mais visível de empresas brasileiras nos países vizinhos despertam sentimentos contraditórios. Alguns deles veem o Brasil como uma ameaça à sua soberania e sua economia. Essa percepção vem propiciando movimentos centrípetos e a formação de coalizões, como a assinatura de acordos de livre-comércio com os EUA e a China, a associação de bolsas de valores da Colômbia, do Peru e do Chile e o Acordo do Pacífico, entre a Colômbia, Chile, Peru e México. Essas iniciativas, como também as adotadas pela Argentina que visam a substituir, via medidas protecionistas ilegais, produtos brasileiros por chineses e de outros países, são claros contrapesos à crescente importância regional do Brasil.
Como o Brasil reagirá a essa visão desconfiada de nossos vizinhos? Em termos da integração econômico-comercial, a meu ver, o País deveria aprofundar os acordos comerciais com todos os países da região, oferecendo a abertura completa de nosso mercado, com regras de origem claras e rígidas, e acelerar a execução de projetos de infraestrutura – rodovias, ferrovias e melhoria das facilidades portuárias – que facilitem o acesso de produtos brasileiros ao mercado asiático pelos portos do Pacífico.
As dificuldades que os países sul-americanos enfrentarão para exportar produtos não agrícolas ou minerais para os mercados europeu e americano, em razão da presença da China como produtora industrial global, tenderá a criar nos próximos 15 a 20 anos uma dependência crescente das economias da região em relação ao mercado brasileiro.
Por tudo isso, o mundo sinocêntrico deverá obrigar o Brasil a redefinir sua política na região, em especial no tocante ao processo de integração regional com ênfase na integração física, e a reduzir os custos internos (taxa de juros, energia, impostos, infraestrutura) para aumentar a competitividade da economia com vista a recuperar o dinamismo, o crescimento e a modernização da indústria nacional.
O pensamento estratégico deve antecipar os acontecimentos e acelerar sua ocorrência. Chegou a hora de pensar mais no interesse nacional do que em parcerias estratégicas e políticas de generosidade.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/11/2011
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