O argumento parece simplório, mas, admitamos, levanta ao menos uma ponta de dúvida: se a meteorologia, a ciência do tempo, não acerta nem a previsão para os próximos dias, como pode pretender dizer que a temperatura global subirá a níveis insuportáveis até o final deste século? E mais. Diante do último inverno especialmente gelado no hemisfério norte, os comediantes americanos tinham a piada pronta toda dia que se noticiava mais uma nevasca: ei! Onde está Al Gore? Al Gore, o ex-vice-presidente dos EUA, Prêmio Nobel e Oscar pelo seu trabalho contra o aquecimento global, esteve, de fato, meio desaparecido.
Inclusive porque, ao longo do último ano, surgiram contestações e dúvidas em torno das conclusões do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), órgão criado pelas Nações Unidas para dar um veredicto científico sobre a questão e assim fundamentar as políticas públicas.
Ganharam moral os céticos, para os quais o IPCC sofre de um viés ideológico e exagera nas suas afirmações, com o objetivo de assustar e levar a medidas de combate ao “suposto” aquecimento global. Os políticos, segue o argumento, pegam essa deixa para levantar bandeiras eleitorais.
Nos países emergentes, nos quais o crescimento econômico é prioridade, ganhou nova força a tese de que o aquecimento global (com as consequentes medidas restritivas à atividade industrial) é uma armadilha armada pelos ricos justamente para bloquear a expansão de novos concorrentes no mercado internacional.
Além disso tudo, a tese de que não se precisa tomar nenhuma providência forte e urgente recebeu uma boa ajuda da crise financeira e da recessão mundial. A poluição normalmente diminui com a queda da atividade econômica (como as queimadas diminuem no Brasil quando a agricultura está em baixa). Além disso, na baixa, os agentes econômicos, públicos e privados, não querem saber de aumentar custos — e todas as medidas antiaquecimento, como as novas tecnologias para energia limpa, são caras na partida.
E aí? Permitam sugerir a resposta apresentada pela revista “Economist”, que volta ao assunto na sua última edição (20/26 de março). Em editorial e nas matérias, discute argumentos científicos e práticos em favor da tese de que há, sim, um aquecimento global produzido pelo homem, que tem uma chance de ser catastrófico e que, assim, exige medidas de redução da emissão de carbono.
Mas é a lógica que mais convence.
Diz: ok, a ciência erra, os dados são imprecisos e a teoria a partir deles pode ser uma construção equivocada, mas, isso posto, é preciso admitir que o engano pode sair pelos dois lados.
Ou seja, o aquecimento pode ser inferior ao que diz a atual ciência (a do IPCC), mas pode ser superior.
A “Economist” lembra que, pelos dados do Painel, a temperatura, ao final deste século, será maior que a atual numa margem que vai de 1,1 a 6,4 graus Celsius. Ora, 1,1 não seria nada. Mas 6,4 seriam um desastre.
Logo, havendo a possibilidade, ainda que distante, de ocorrer uma tragédia, convém comprar um seguro, sobretudo porque as medidas de controle do aquecimento ou já estão disponíveis ou estão a caminho nas pesquisas.
São caras, aumentam o custo de vida, mas há como financiá-las.
O que nos leva à segunda parte da história: é preciso criar mecanismos econômicos que sustentem as mudanças, sem impedir o crescimento (e a geração de emprego), tão crucial na maior parte do mundo. Não se pode, por exemplo, proibir chuveiros elétricos e obrigar todo mundo a recorrer à energia solar, mais cara. Dizem: mas ao longo de anos, a solar sai mais barata.
Pode ser, mas no Brasil de hoje, para a maior parte das famílias que estão montando suas casas, a alternativa real é chuveiro elétrico ou água fria. O governo pode subsidiar, claro, mas é preciso definir quem paga isso.
De todo modo, convém olhar sempre o que está fazendo a economia de livre mercado. E as empresas, sobretudo as grandes multinacionais, estão pesquisando e investindo pesado em novas formas de energia sustentável e/ou limpa, do etanol aos carros elétricos. Em geral, elas sabem o que fazem.
Fonte: Jornal “O Globo” – 25/03/10
Saber se vai dar praia ou não é mesmo mais difícil do que fazer um modelo confiável de longo prazo pq a modelagem climática lida com tendências sobre mudanças mínimas na temperatura geral, já a meteorologia imediata trabalha sobre o microclima e sua interação com outros eventos casuais. Essas interações são, por definição, caóticas.