“Difícil não é matar o monstro; difícil é remover-lhe os escombros.” Essa frase do grande Goethe me veio à mente após ouvir um candidato dizer que o governo tem de parar de governar para os empresários e os banqueiros, e passar a governar para as pessoas. A frase sugere que os empresários e os banqueiros não são pessoas. Mas, mesmo entendendo o espírito da coisa, há algo de contraditório na afirmação.
Tornou-se consenso nacional que o país precisa muito de empreendedores e, por isso, a população deve ser educada e treinada para ter iniciativa e empreender. As escolas estão sendo convocadas a educar mais para o empreendedorismo do que para a busca de emprego, mesmo porque somente haverá empregos se houver empreendedores e empresários.
O mundo precisa de inventores e investidores com iniciativa e capacidade de correr riscos, produzir, gerar empregos e pagar impostos. Quanto mais deles houver, mais riqueza será produzida e maior será o bem-estar social. O próprio governo, para existir, depende de impostos gerados pela produção; logo, é necessário haver produtores. O discurso antiempresarial é uma dessas coisas totalmente ultrapassadas, mas que ainda fazem sucesso no Brasil.
Tomemos o caso dos bancos. Estes existem desde que a humanidade inventou a moeda como instrumento de troca. Na sociedade do escambo (troca de mercadoria por mercadoria), os bancos não eram necessários. Muitos críticos não são contra a existência dos bancos. São contra bancos privados e querem apenas bancos estatais. Fui diretor e presidente de banco estatal e aprendi que, com raras exceções, colocar banco nas mãos de políticos é um perigo; é como dar uma espada a uma criança.
Quando um banco quebra e o Banco Central (BC) o socorre, as críticas pululam. O banco é uma instituição que faz intermediação financeira, ou seja, capta depósitos de pessoas e empresas e faz empréstimos a pessoas, empresas e governos. Em geral, de tudo o que um banco empresta, menos de 10% é capital do banqueiro. O resto vem dos depósitos do público. Se o banco quebra, mais de 90% da perda é de quem depositou seu dinheiro lá. Ademais, bancos trabalham sob concessão estatal e normas baixadas pelo governo, a fiscalização é feita pelo BC e existe o Fundo Garantidor de Depósito, destinado a reembolsar os depositantes em caso de quebra bancária.
Banqueiros são vistos como gananciosos. Mas eles não diferem das pessoas, pois estas, quando depositam dinheiro no banco ou aplicam suas reservas, também querem receber a maior taxa de juros possível, e isso é normal; porquanto, o juro é a recompensa pela renúncia ao consumo presente em favor do consumo futuro.
Poder-se-ia argumentar que o banco paga 11% ao ano por minha poupança e cobra 40% de meu vizinho no financiamento de uma geladeira. Ocorre que, no cálculo da taxa de juros bancários, entram pelo menos cinco fatores: a taxa juro paga ao poupador, os custos administrativos do banco, a inadimplência de parte dos devedores, os tributos cobrados pelo governo e o lucro bancário. Quanto aos lucros dos bancos, fonte de críticas, existe a crença de que eles são astronômicos. São altos, sim, mas cabem ressalvas.
O lucro de uma empresa deve ser comparado com o capital investido pelos acionistas. Nesse sentido, os lucros bancários relativos não são muito diferentes das empresas saudáveis de tamanho equivalente. E uma economia saudável exige um sistema financeiro forte e lucrativo. Mas a crença no inverso é um monstro cujos escombros, no Brasil, tornaram-se irremovíveis.
Fonte: Gazeta do Povo, 5/9/2014
Mais didático do que isso, nem no inferno.