Qual é o país, no mundo desenvolvido, que está saindo da crise da maneira mais vigorosa?
Pensou na Alemanha, no Japão? Errado. São os Estados Unidos.
Na semana passada saíram os números europeus para o quarto trimestre de 2009. A Alemanha, que fora o primeiro dos ricos a registrar algum crescimento, estagnou. A França conseguiu um magro crescimento de 0,6%. Do Japão já se sabia que continua devagar.
Enquanto isso, os Estados Unidos registraram um fortíssimo crescimento de 5,7% no último trimestre de 2009, em termos anualizados. Mais ainda, a produtividade cresceu espantosos 6,2%, o que equivale a três vezes a média histórica.
Isso mostra uma economia flexível, com enorme capacidade de adaptação. Se a produtividade cresceu esse tanto, isso significa que as empresas reagiram à queda de demanda com corte de custos (inclusive de pessoal), mas de um modo tal a aproveitar melhor os fatores disponíveis. Resultado: estão prontas para, dada a recuperação, aumentar rapidamente a produção.
Com a crise, o desemprego nos Estados Unidos praticamente dobrou – saiu da média dos 5% para mais de 10% (recentemente caiu um pouco, para 9,7%). Já na Alemanha o desemprego não aumentou, o que foi considerado um êxito e, como se discutia nos Estados Unidos, uma política exemplar.
Olhando a coisa mais de perto, verifica-se que o desemprego alemão ficou na taxa histórica de… 9%! Ou seja, a pior taxa nos Estados Unidos é equivalente à normalidade na Alemanha.
E por que o desemprego não aumentou na Alemanha? Porque o governo pagou. As empresas foram estimuladas a, em vez de demitir, colocar os trabalhadores em licença ou em horários parciais. As horas não trabalhadas passaram a ser pagas pelo governo.
Com isso, as empresas, que vinham de um ambiente de forte expansão, pré-crise, não precisam se adaptar aos tempos de recessão. Apenas mandam trabalhadores para casa (e para a conta do governo) e esperam a crise passar. E o governo aumenta seus gastos de custeio, limitando sua capacidade de investimento.
Evita-se com isso um problema social de curto prazo, o aumento do desemprego. Mas não se prepara a economia para a nova situação.
Já nos Estados Unidos, onde a rede de proteção social é menor e mais fina, a economia é levada a rápidas adaptações. As empresas registram logo os prejuízos, fecham fábricas, demitem, cortam salários e buscam meios de aumentar a produtividade. O ajuste é imediato.
E selvagem.
O custo social, e político, é maior, mas permite uma saída da crise mais rápida. Como está acontecendo.
E como ocorre fora das crises. Flexível, com ampla capacidade de mudança e aberta a inovações, a economia americana cresce mais do que as europeias e gera mais empregos. O símbolo maior da Europa, a Alemanha, com sua ampla rede de proteção social e suas regras que limitam a ação das empresas, cresce menos e emprega menos.
Mas – argumenta-se – os desempregados lá vivem melhor que nos Estados Unidos. Verdade. Só que uma economia sem dinamismo não cria as oportunidades para os mais jovens.
Modelos a escolher.
Curioso que o debate na Alemanha seja o de como ganhar mais flexibilidade e controlar o gasto público com a rede social (aposentadorias, saúde e auxílio-desemprego). Já nos Estados Unidos o presidente Barack Obama pede que os dois partidos se entendam em torno de uma política pública de geração de empregos. Mesmo aqui, porém, prevalece algum sentido de flexibilidade: uma das ideias, por exemplo, é tornar a contratação mais simples e ainda menos onerosa para pequenas e médias empresas.
Aliás, uma boa ideia para o Brasil, não é mesmo?
A conta voltou – Sob pressão para apresentar um programa crível de redução de seu déficit, o governo grego está propondo, entre outras maldades: aumentar a idade mínima de aposentadoria, uma elevação imediata dos impostos sobre combustíveis e o congelamento dos salários do funcionalismo. Para tentar conter a ira popular, promete cortar os vencimentos de governantes e de dirigentes de estatais.
Os governos da Espanha e de Portugal lidam com o mesmo dilema. É preciso cortar gastos e aumentar impostos, pois déficits e dívidas públicas passaram dos limites, mas isso se opõe a compromissos e ideologias.
Eis o ponto: a conta chegou mais cedo do que se esperava. Na verdade, lá na Europa, como aqui, muita gente acreditava ter eliminado esse tipo de conta. O gasto público parecia ter-se tornado o principal motor da economia. Assim, quem se preocuparia com essas coisas tão aborrecidas quanto austeridade e equilíbrio fiscais?
Desgraçadamente, porém, mais uma vez verificou-se que dinheiro não sai do nada. É preciso financiar o déficit e amortizar a dívida.
Eis uma lição para o Brasil. Na gestão da crise, aproveitando o embalo internacional, o governo Lula aumentou ainda mais os gastos e a intervenção do Estado na economia. As contas pioraram, a dívida aumentou. Se ainda assim o mercado continua financiando o Brasil e se o presidente ganha prêmios no exterior, isso prova uma mudança de paradigma, certo?
Errado.
A confiança no governo Lula, mantida, se baseia na crença generalizada, aqui e lá fora, de que as contas públicas serão reorganizadas neste ano, que a dívida voltará a cair, que a inflação ficará na meta e que a estabilidade será preservada – como promete o governo.
Promessa não cumprida, confiança perdida. E perde-se muito mais depressa do que se conquista.
(“O Estado de SP” – 15/02/2010)
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