Os textos clássicos são assim chamados porque guardam ensinamentos e beleza que não envelhecem com o tempo. “O Inimigo do Povo”, drama de Ibsen, é um desses tesouros da dramaturgia universal que muito dizem sobre os dias que vivemos.
É a história de um médico respeitado de uma cidade-balneário da Noruega que descobre que as águas da região estão contaminadas e que, por isso, essa fonte de riqueza deve ser estancada até que se trate a qualidade dos banhos. Como a cidade vive das águas, o prefeito e a maioria dos cidadãos transformam o médico em inimigo do povo. A despeito disso, o médico afirma a verdade, pagando caro por isso.
Essa história é exemplar para que se entenda o valor do espírito público em detrimento das circunstâncias, sejam elas de que ordem forem. Qual é o homem público que tem coragem de agir sob o império da verdade a despeito da vontade ou ação da maioria? Entre nós é raro.
O desastre de Angra do Reis é o mais recente exemplo. Sabia-se da desordem das construções, da irresponsabilidade diante da realidade da natureza da região e, não obstante, permitiu-se o crime que culminou em tragédia, em mortes. Por demagogia, por deliberações irresponsáveis e por atitudes que produzem dividendos políticos ou econômicos, vamos convivendo com a morte, mais que o necessário.
É preciso encarar remoções, limites ecológicos e assumir interdições, por mais impopulares que possam sejar. Chega de “amigos do povo”; precisamos do “inimigo do povo“. Mas quem tem coragem? Somente aqueles para quem a consciência e a retidão são mais importantes do que a popularidade e o poder.
(O Dia – 10/01/10)
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