Você acredita em propaganda oficial? Acredita naquelas campanhas publicitárias na TV, todas grandiloquentes, multicoloridas, açucaradas e heróicas, quase épicas, em que prefeitos, governadores ou ministros de Estado proclamam suas proezas colossais pelo bem do povo? Falando francamente, você acha que essa gente diz a verdade?
Quanto a isso, temos uma notícia boa e outra má. Começando pela boa: você dirá que não é tão crédulo assim e que olha toda essa política de promoção governista com uma ponta de desconfiança, ou mesmo com um total ceticismo. Tanto melhor. Desde sempre, duvidar do poder é o melhor antídoto contra os fanatismos, os autoritarismos e o culto da personalidade daquele que governa.
Agora, a má notícia: os governos acreditam que, se insistirem com propaganda caríssima e acachapante, no fim das contas você acabará acreditando neles, e nada, nenhuma lei, pode impedi-los de aumentar a gastança. Ato contínuo, eles torram dinheiro público no esporte que é a única unanimidade da política brasileira. Estamos falando do esporte da autopromoção consentida, pelo qual o ocupante de um cargo no Poder Executivo alardeia as suas próprias (supostas) virtudes com recursos que deveriam ser de todos. Todos os políticos, tanto faz o partido, são iguais na prática desse esporte. Uma vez no poder, gente que se diz de esquerda age do mesmo modo que a direita. Tudo com nosso dinheiro.
Recentemente, a prefeitura de São Paulo, que manda no maior orçamento municipal do país, começou a despejar na TV local seus filmetes de otimismo natalino. O slogan é “antes não tinha, agora tem”. Já viu, né?
O pobre telespectador paulistano olha aquilo, sai na rua e acha que endoidou. Onde está a cidade que o prefeito promete na TV? Na megalópole publicitária, aparece uma jovem deslumbrante, feliz, que nos conduz a postos de saúde aprazíveis como o nirvana. Na metrópole-cenário em que ela faz deslizar seus encantos e seus sorrisos, fulguram escolas, a luz é farta e a água abundante. A musa kassabista passeia em ruas limpíssimas. É o céu na terra da garoa.
Nessa toada ficcional, quase insultuosa, o município paulistano saltou de um patamar de R$ 12 milhões gastos com publicidade governista, em 2005, para a estratosfera de R$ 110 milhões em 2010. Num intervalo de cinco anos, o volume foi multiplicado por quase dez. Com o chapéu alheio, por certo.
No Estado de São Paulo, o mais rico do Brasil, a progressão perdulária é igualmente geométrica. Em 2003, o Palácio dos Bandeirantes queimou R$ 33,3 milhões no esporte da autopromoção. Em 2010, a conta fechou em R$ 266,6 milhões (os números de 2011 ainda não são conhecidos, mas devem permanecer por aí).
Se os programas sociais de saúde, moradia e educação crescessem nas mesmas bases, a vida real seria a melhor propaganda do mundo. Mas ela não é. A publicidade dos governos é diretamente proporcional à taxa de infelicidade dos governados. Ela só precisa vender o céu, porque a vida é um inferno. A publicidade oficial – sob a desculpa de que está informando o cidadão, vê se pode… – existe apenas para engambelar, para fazer campanha eleitoral governista fora do período que a lei reserva para a campanha eleitoral. A propaganda governista é a campanha eleitoral ininterrupta. Graças a ela, os governantes têm muito mais exposição e chance de promover a si mesmos do que aqueles que militam na oposição. A propaganda governista é hoje uma forma de combate aberto contra o princípio democrático da alternância de poder.
Ah, sim, há ainda o governo federal. Aí, as cifras são mastodônticas. Para que o estimado leitor tenha uma ideia menos vaga do que a palavra mastodôntica está fazendo aqui, digamos o seguinte: no ano de 2009, apenas no ano de 2009, o governo federal jogou nada menos que R$ 1,67 bilhão nas campanhas dos ministérios, da Presidência da República e de suas estatais, segundo dados da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Naquele mesmo ano, o total do mercado anunciante no Brasil, segundo o Projeto Intermeios, ficou na casa dos R$ 22,3 bilhões. O governo federal, há tempos, é um dos maiores anunciantes do mercado brasileiro. E que mercadoria ele vende? A sua própria imagem.
Assim é o Brasil, um país em que os governantes usam o dinheiro de todos para promover as causas partidárias de uns poucos – quanto aos governados, eles até que não acreditam muito na lorota governista, mas dão de ombros, deixam pra lá.
Fonte: Época, 02/01/2012
excelente comentário. deveria ser crime a propaganda governamental(fraude) eleitoral, mas…
Concordo totalmente com o texto e com o comentarista acima. O governo deveria com essa de fazer propaganda.
E poderia começar parando de fazer propaganda nas principais empresas de comunicação do país. Nada de propaganda do governo no Globo (e na Globo), na FSP, na Band, no Estadão, no UOL, na Veja, na Jovem Pan, etc.
Vamos ver se essas empresas de comunicação conseguem viver sem verbas estatais.