Chegaram as eleições. O Brasil precisa de importantes reformas. Os gastos públicos são excessivos (e pedem uma reforma do Estado), centralizados em demasia (reforma fiscal), financiados por impostos abusivos e disfuncionais (reforma tributária), a legislação salarial é obsoleta (reforma trabalhista) e os encargos sociais, proibitivos (reforma da Previdência). Mas nada disso foi discutido durante a batalha eleitoral. A eleição se reduziu a uma feroz disputa pelo comando da máquina pública.
Essa ferocidade das campanhas eleitorais é um sintoma do Princípio de Gause em biologia evolucionária: uma guerra de extermínio entre espécies semelhantes (tucanos e petistas) pelo domínio de um nicho ecológico (a hegemonia social-democrata).
O PSDB e o PT se revezam no poder com alianças que consideram espúrias, fisiológicas e retrógradas, conforme acusações mútuas, desembocando em acusações recíprocas de corrupção. Os combates partidários têm se limitado à tomada do poder. O vazio de sua agenda e sua omissão quanto às reformas necessárias ao aumento do padrão de vida dos brasileiros reduziram a vida política a uma sinuosa disputa pela opinião pública.
A hipertrofia e o aparelhamento do Estado têm consequências desastrosas sobre o modo de fazer política e os valores morais de uma sociedade. O inchaço e a politização da engrenagem estatal são os ingredientes de uma fábrica de escândalos, como o dos precatórios, dos Anões do Orçamento, do Tribunal Regional do Trabalho (do Lalau), da Sudam, do INSS (da Jorgina), do propinoduto (do Marcos Valério), do mensalão, dos sanguessugas, do Senado, da Casa Civil e agora, ainda fresco, o das ligações dos governadores de Tocantins, Amapá e Mato Grosso do Sul com quadrilhas acusadas de desviar fortunas dos cofres públicos.
São indissociáveis a hipertrofia do Estado e a corrupção a céu aberto. Prossegue incessante, há mais de duas décadas, a sequência de escândalos de corrupção envolvendo o uso de recursos públicos. Permanece atual a clássica denúncia de Karl Marx, em As lutas de classe na França: 1848-1850 (1895): “As enormes quantias de dinheiro que passavam pelas mãos do Estado davam oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero”.
PSDB e PT se revezam no poder. Como liberal-democrata, continuo sem representação
Para Marx, a corrupção sistêmica é filha da escalada dos gastos públicos: “Uma boa administração do Estado seria impossível sem restringir seus gastos, ferindo os interesses de grupos que eram pilares do sistema dominante”.
A degeneração da política e a desmoralização dos partidos são consequências não intencionais. A imprensa livre apenas registra toda essa complexa teia de fenômenos. A inapetência por reformas é uma demonstração de insensatez. Enquanto persistir a busca da governabilidade por práticas político-administrativas inaceitáveis, estaremos expostos a crises institucionais.
Sempre que o grupo no poder perde a decência, as democracias maduras experimentam episódios de “regeneração” pelas urnas. Os escândalos tornam-se temas inevitáveis das campanhas, e as urnas promovem uma avalanche de renovação, removendo as criaturas do pântano em episódios de “purificação”.
Sou um liberal-democrata. Continuo sem representação política no espectro partidário brasileiro. Liberais-democratas do século XXI combinam o profundo respeito pelas virtudes das economias de mercado (que os republicanos americanos herdaram dos liberais clássicos dos séculos XVIII e XIX) com o sólido compromisso com os indivíduos desafortunados que os mercados deixaram para trás (a solidariedade que os democratas americanos – que se autointitularam “liberais” no século XX – herdaram das religiões e do socialismo).
Mas exercerei meu direito e meu dever de votar no candidato que melhor contribua para a construção de uma Grande Sociedade Aberta no Brasil. O futuro está muito além da “esquerda” e da “direita”. Não podemos temer o novo.
Fonte: Revista “Época” – 30/09/10
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