Meu primeiro curso de economia foi de “economia brasileira”, como aluno ouvinte. Matéria da graduação da FEA-USP ministrada por José Roberto Mendonça de Barros no segundo semestre de 1986.
José Roberto, profissional com carreira muito exitosa, tanto na academia –estudos sobre história econômica e economia agrícola– quanto no setor privado –lidera há anos sólida empresa de consultoria–, ficava a cargo da disciplina mais interessante e complexa da grade da graduação. Éramos apresentados à história econômica brasileira do período do café, a partir de 1860, aproximadamente, até a época atual, no caso, os conturbados anos 1980.
O jovem físico (isto é, eu) achava, como é comum entre os físicos, que o desenvolvimento de uma sociedade resultava do domínio das técnicas mais avançadas e da produção de bens mais complexos. Achava que o orçamento da Nasa e do Pentágono e a política de compras do governo americano eram responsáveis pelo desenvolvimento daquela sociedade.
Era entusiasta da reserva de mercado de informática. Essa política pública era muito popular entre os físicos à época. Lembro-me de meu professor da disciplina de “fenômenos aleatórios em física” entusiasmado com os computadores que produzíamos. O que o desanimava era o custo: “Samuel, temos um problema de custos…”.
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Perguntei a José Roberto sobre a reserva de mercado. Sorrindo para o jovem físico e sabendo que iria desapontar, falou: “Nessa área, o maior valor adicionado não está nas máquinas, no hardware, mas sim nos programas, no software. É aí que o ganho se encontra. A reserva de mercado obrigará nossos programadores a trabalhar com as piores máquinas. Não vai funcionar”.
José Roberto, em 1986, sabia o que muito economista não consegue entender até hoje.
A esquerda (mas não somente a esquerda) tem particular dificuldade de entender que o crescimento não é produzir coisas tangíveis. Talvez a leitura, por gerações e gerações, de “O Capital”, obra escrita no início da segunda Revolução Industrial, e a referência obrigatória a diversos escritos de Lênin –autor do auge da segunda Revolução Industrial, aquela do aço, das grandes siderúrgicas e seus gigantescos altos-fornos, das usinas hidroelétricas e do motor a combustão interna–, tenham moldado essa visão de mundo.
Desenvolvimento econômico ficou associado a produzir navios, locomotivas, carros e armas –tanques, canhões, grandes encouraçados etc.
Lembro-me de minha infância e de minha avó horrorizada com o fato de os atravessadores ficarem com toda a margem de comercialização de um litro de leite. De fato, rápida consulta à internet indica que um litro de leite na porteira da fazenda custa por volta de R$ 1, enquanto na prateleira do supermercado sai por uns R$ 2,5. Naquela época, com pior infraestrutura e sem os ganhos da tecnologia de informação, essa diferença deveria ser ainda maior.
Foram necessárias muito reflexão, aula de microeconomia e introspecção para que o jovem físico se convencesse de que um litro de leite na prateleira de um supermercado é produto muito distinto do que um litro de leite na porteira da fazenda. E que, de fato, há muito trabalho para retirar o leite da fazenda e colocá-lo certificado, com prazo de validade, na prateleira de um mercado a 50 metros da casa do consumidor.
Infelizmente boa parcela das políticas de desenvolvimento econômico adotadas nos últimos anos é informada pela visão pobre descrita neste artigo. Repetimos erros e desperdícios.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 14/01/2017
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