Em teste sobre os efeitos da desaceleração rápida nos pilotos das aeronaves, os sensores falharam e frustraram os resultados esperados pelo engenheiro aeroespacial Edward Murphy. Descoberto o erro, foi cunhado o adágio: “Se alguma coisa tem a mais remota chance de dar errado, certamente dará”. Ao que parece, existe forte correlação entre a chamada “Lei de Murphy” e os investimentos públicos no Brasil.
Nos últimos 18 anos, por exemplo, o porcentual médio de execução dos investimentos da União foi de apenas 60%. De cada R$ 10 autorizados, apenas R$ 6 foram efetivamente pagos. O montante aplicado, incluindo as empresas estatais, beirou 3% do PIB.
A execução pífia dos investimentos públicos está relacionada ao emaranhado de leis, decretos, portarias, bem como às exigências, prazos e fiscalizações do Ministério Público, do Ibama, da Funai, do Iphan, da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU). Acrescente-se à burocracia a formação inadequada dos gestores públicos, o que resulta na má qualidade dos projetos, dos editais e das próprias obras. A corrupção e os interesses políticos também contribuem para a inapetência governamental. Afinal, como impedir o surgimento de problemas em vários empreendimentos quando a empreiteira que mais recebia recursos do Orçamento da União é declarada inidônea? Como evitar lentidão nas obras rodoviárias, se a cada ano um novo ministro assume nos Transportes?
Há 20 dias, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou aos jornalistas do Estadão Raquel Landim e João Villaverde que “os investimentos irão bombar em 2014”. A previsão não causou euforia nos agentes econômicos, tendo em vista as frequentes discrepâncias entre as expectativas do ministro e a realidade. No entanto, a futurologia sugere que o governo já “jogou a toalha” no ano em curso.
Encerrado o primeiro quadrimestre, o marasmo continua. E não faltou planejamento. No final do ano passado, o governo editou a Medida Provisória n.º 598, criando créditos extraordinários de R$ 42,5 bilhões, e inscreveu R$ 71,8 bilhões de restos a pagar de investimentos, criando autorização legislativa para os gastos mesmo sem a aprovação do Orçamento de 2013.
De janeiro a abril, contudo, foram investidos pela administração direta R$ 12,3 bilhões, o que corresponde a somente 11% do previsto para o exercício. O valor é superior ao que foi aplicado no início de 2012, mas inferior aos desembolsos nos mesmos períodos em 2011 e 2010. No Ministério dos Transportes, desconsiderada a inflação, os pagamentos são os menores dos últimos três anos. Curiosamente, até o momento, o ministério “campeão” não é, como costuma ser, o dos Transportes, das Cidades ou da Integração. A pasta que mais investiu foi a da Educação, com R$ 2,9 bilhões, sendo quase meio bilhão de reais proveniente de restos a pagar do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), destinados à aquisição dos ônibus rurais escolares que estão sendo entregues pela presidente Dilma, pessoalmente, em solenidades com os prefeitos.
Em relação aos investimentos das empresas estatais, o “espírito animal” dos dirigentes também ainda não se manifestou. Como a transparência das estatais deixa a desejar, os últimos dados disponíveis ainda são do primeiro bimestre, período insuficiente para caracterizar tendência para todo o exercício. No entanto, nesses dois primeiros meses, foram aplicados R$ 13,7 bilhões, o que representa crescimento real de somente 2,5% em relação aos meses de janeiro e fevereiro de 2012. A título de comparação, em valores atualizados, os investimentos do conjunto das estatais em 2010 atingiram R$ 15,6 bilhões, ou seja, 14% a mais do que o montante deste ano.
Em alguns casos a situação é crítica. Apesar do “engarrafamento” de navios e das enormes filas de caminhões nos portos brasileiros, do orçamento de R$ 1,5 bilhão autorizado para as Companhias Docas – dos Estados do Maranhão, Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará e Pará -, escassos R$ 26,4 milhões foram investidos no primeiro bimestre, o que correspondeu a 1,8% do total. Dentre as oito Companhias Docas – responsáveis por 18 dos 34 portos do país -, a metade nem sequer realizou investimentos este ano.
Em meio a discussões sobre possíveis apagões durante a realização da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, o Grupo Eletrobrás, que abrange 19 empresas no setor de energia elétrica, investiu no primeiro bimestre apenas 6,6% dos R$ 10,2 bilhões autorizados para 2013. A empresa Furnas – Centrais Elétricas, que garante o fornecimento de energia em área onde estão situados 63% dos domicílios brasileiros, investiu somente R$ 89,4 milhões. O montante equivale a 7,5% do R$ 1,2 bilhão previsto para 2013.
Na Petrobrás e na Infraero os investimentos também andam de lado. Na maior estatal brasileira, dos R$ 89,3 bilhões orçados para este ano, foram utilizados até fevereiro R$ 12,6 bilhões, montante apenas 1% maior em valores constantes do que os R$ 12,4 bilhões desembolsados no mesmo período em 2012. Na Infraero, da dotação de R$ 1,5 bilhão prevista para 2013, só R$ 92,5 milhões foram aplicados. Assim, é natural que os aeroportos brasileiros estejam fora da lista dos cem melhores do mundo, constatação da qual ninguém duvida.
Desta forma, resta ao governo a aceleração dos processos de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, em alguns casos com horizonte de 25 a 30 anos. Os entraves, porém, são imensos e os cronogramas dificilmente serão cumpridos. Basta verificar que a primeira concessão de rodovia no governo Dilma, num trecho da BR-101, só foi assinada no mês passado, depois de acirrada polêmica judicial que durou um ano. A medida provisória dos portos sofreu 150 alterações no Congresso, desfigurando a concepção inicial do governo. Nesse cenário, será mesmo que os investimentos irão bombar em 2014? Entre o otimismo de Mantega e o pessimismo de Murphy, façam as suas apostas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 06/05/2013
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