Um grande debate se abriu sobre a necessidade de modificação da remuneração das cadernetas de poupança, instituição que tem servido de captação dos superávits financeiros dos brasileiros, especialmente daqueles de mais baixa renda. Tal debate só está acontecendo porque o Governo Federal não tem como deixar de tomar alguma medida que viabilizem as demais formas de intermediação financeira. Uma elevação permanente dos juros da poupança além da remuneração recebida pelos demais instrumentos financeiros seria a decretação do seu fim.
Esse debate é útil também para mostrar as distorções e mazelas de nosso sistema financeiro, estruturalmente formatado para ser financiador da dívida pública e para maximizar o rendimento do sistema bancário. Com a redução da Taxa Selic e a grave crise financeira internacional essas distorções ficaram visíveis.
Em primeiro lugar, deve-se ressaltar a irônica situação de que a remuneração financeira na aplicação dos títulos do Tesouro sofre taxação. Ora, os juros da dívida pública são pagos precisamente por impostos e parece acaciano que seria mais razoável a prática de uma taxa de juros nominal menor, isentando-se o aplicador dessa taxação ilusória. É como se parte do custo da dívida fosse paga pelo próprio investidor.
Mas isso tem uma razão de ser, e daí brota a segunda grave distorção: a elevada taxa de administração cobrada pelos bancos para intermediar a venda dos títulos públicos e administrar as carteiras dos fundos de investimento, alguns bancos cobrando até quatro pontos percentuais ao ano. Com a elevada taxa nominal esconde-se a exorbitância dessa prática, que fora do Brasil não passa de meio por cento. Por longos anos os banqueiros pátrios tiraram daí boa parte de sua rentabilidade exuberante. A queda da taxa nominal simplesmente está obrigando à revisão desse abuso.
Um terceiro ponto é ainda interessante notar. Como o governo é o grande monopsonista na captação de recursos, ele deveria captar a taxas inferiores à da poupança, e não o contrário. Aqui se coloca uma questão de fundo grave. Os formuladores das políticas de financiamento do déficit público estão fornecendo aos financiadores da dívida remuneração descabida e indevida, além do que o mercado cobraria se o governo fizesse valer o seu poder de monopsônio. Resta a pergunta do porque isso foi feito, em prejuízo do Erário e dos pagadores de impostos, em benefício de uma restrita minoria.
Agrava a situação as políticas monetárias expansionistas de praticamente todos os países do mundo, que reduziram os juros da dívida pública daqueles países a algo próximo de zero. Só o Brasil está na contramão. Por quê? Temo que investigar o motivo leve à inapelável conclusão de que sempre houve um viés na administração da dívida pública ao longo dos anos, contra os legítimos interesses dos pagadores de impostos.
Lula está diante de uma escolha de Sofia. Terá que sacrificar o interesse dos intermediadores financeiros, grandes financiadores de campanhas políticas, para acomodar a questão da caderneta poupança. A remuneração deste ativo, a caderneta de poupança, terá que sofrer também e bem sabemos o quanto custará politicamente, vez que os brasileiros têm muita sensibilidade quanto a essa instituição. Toda a poupança popular está lá amparada. Uma solução que beneficie os agentes bancários imporá novas distorções. Não é mais possível manter as aparências: os banqueiros precisam aprender a ganhar dinheiro financiando a produção, não o governo.
As hesitações públicas de Lula dão bem o grau dessa sensibilidade e da dificuldade na tomada de decisão. Nunca na história recente os interesses gerais se chocaram de maneira tão frontal com os interesses particulares dos banqueiros como agora. Vamos ver como Lula sairá dessa sinuca de bico.
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