Condução da política monetária deve ser feita com cuidado, para não causar um grande tumulto no mercado financeiro, afetando negativamente a atividade
No debate sobre política econômica, com frequência, é tentador fazer analogias com a economia doméstica. E, de fato, há alguns princípios desejáveis desta, como o zelo com o gasto ou o combate ao desperdício, que é importante que sejam transportados para a alçada macroeconômica por parte dos governantes. Da mesma forma, não há melhor forma de explicar para a opinião pública a necessidade de combater o déficit público do que fazer a analogia com a situação de uma família que, por alguma razão, sofreu uma perda de renda e precisa “ajustar o cinto” para se adequar à nova situação.
A analogia entre a política fiscal e a economia doméstica, porém, tem algumas limitações, pelo fato de a política fiscal estar associada a dimensões que não necessariamente “encaixam” nos cânones do raciocínio associado à comparação entre as receitas e os gastos de uma família.
Um tema que sempre se presta a muitos equívocos no debate público sobre política econômica é o da taxa de juros e seus efeitos sobre o resultado fiscal. Para entender melhor o ponto, faço aqui uma breve digressão para o leitor não especializado, de modo a entender melhor o contexto da discussão sobre o tópico. A dívida pública resulta da dinâmica da acumulação de déficits ao longo de períodos sucessivos. Em linguagem simples, podemos dizer que “a dívida de hoje é a dívida de ontem mais o déficit de hoje”, onde a medida de tempo mais adequada não é o dia, e sim o ano.
O déficit público, por sua vez, tem dois grandes componentes: a conta de juros e o chamado “resultado primário”, que nada mais é do que a diferença entre a receita e a despesa, excluindo os juros desta última. Se um país tem, por exemplo, um “superávit primário” de 100 unidades e uma despesa de juros de 150, o déficit público será de 50. Já se o resultado primário, ao invés de ser superavitário, for deficitário (despesas maiores do que as receitas) no mesmo valor de 100, então o déficit passará a ser de 250, ou seja, igual à conta de juros mais o “buraco” do desequilíbrio entre receita e despesas primárias.
Nesse debate, há dois tipos de equívocos em que costumam incorrer muitas pessoas quando opinam sobre o assunto. O primeiro, quando os juros são pressionados no sentido de aumentar, é deixar de levar em consideração os efeitos das medidas sugeridas. O leitor, certamente, já deve ter lido declarações de alguém dizendo que “os juros precisam cair, porque é um absurdo gastar tantos bilhões com juros” ou, alternativamente, que “se não fosse pela despesa de juros, não haveria déficit”. Embora tais frases sempre tenham eco junto a parcelas da opinião pública, porém, elas envolvem uma grande dose de ingenuidade, já que não é assim que o mundo funciona na vida real: se os juros caem de forma artificial, isso provavelmente terá efeito nos mercados, por exemplo, produzindo uma maior demanda com efeito sobre a inflação ou impulsionando a demanda por dólares ou ativos reais. Portanto, a condução da política monetária deve ser feita com cuidado, para não causar um grande tumulto no mercado financeiro, afetando negativamente a atividade. Quanto à consideração de que “se não fosse pela despesa de juros, não haveria déficit”, é equivalente a que um inquilino conclua que “se não fosse pelo aluguel, não precisaria pegar um empréstimo no banco para poder chegar no final do mês”, sonhando em dar “calote” no aluguel. Resta saber o que o proprietário pensaria disso….
Já quando os juros estão em queda, o segundo equívoco — e este é o ponto mais importante do artigo, nas circunstâncias atuais — é supor que “como a despesa de juros irá cair, podemos utilizar esses recursos para outros fins”. No caso brasileiro, seria um erro dramático. No triênio 2008/2010, quando a macroeconomia não tinha sido desorganizada, a despesa de juros era de 5% do PIB. Em 2012, diminuiu artificialmente para 4% do PIB e, na média de 2015/2016, alcançou mais de 7% do PIB. O problema é que nesse mesmo biênio o déficit primário foi de 2% do PIB, gerando um déficit de mais de 9% do PIB. Como este tem que retornar ao patamar saudável de 3% do PIB, a conclusão é que a queda dos juros não poderá redundar em mais gasto, pois nesse caso o déficit continuará sendo astronômico.
Fonte: “O Globo”, 12/06/2017
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