A liberdade, nos regimes políticos que protegem garantias fundamentais, é gratuita? É possível afirmar que, quanto menor é o Estado, maior é o alcance da liberdade? Em vez de ser solução, o Estado seria um problema? Respostas favoráveis a indagações como essas foram apresentadas durante a campanha eleitoral por candidatos e assessores de candidatos que, contrapondo libertarismo econômico à socialdemocracia, defenderam medidas como redução drástica do intervencionismo estatal, enxugamento do aparato governamental e híper-responsabilização dos cidadãos por suas escolhas de vida.
Contudo, quem protege esses cidadãos caso seus direitos sejam violados? A quem pedir proteção se não à polícia e à Justiça, instituições sustentadas pelos contribuintes? Quem assegura o equilíbrio os mercados e preserva bens dos cidadãos no caso de corridas bancárias? Na realidade, direitos são serviços públicos prestados por órgãos governamentais e financiados por tributos. E essa forma de custeio depende de receita fiscal, de orçamentos equilibrados e de cálculos econômicos que envolvem horizonte de tempo – uma perspectiva de futuro que só pode ser feita com rigor quando a vida socioeconômica é protegida por regras capazes de gerar previsibilidade e calculabilidade.
Meus professores de economia política diziam que, sem Estado, cuja máquina demanda recursos e orçamentos, não há predição; sem predição, não há segurança jurídica; e sem a segurança de que as normas são aplicadas do mesmo modo a casos idênticos, o jogo de mercado tende se tornar instável e assimétrico. Por tabela, como os direitos dependem de receita fiscal para serem eficazes na prática, sem impostos não há como preservar a liberdade de iniciativa e viabilizar um mercado concorrencial, o que abre caminho para a concentração econômica. No limite, quem quer mercado tem, igualmente, de querer tributos. Direitos não apenas custam dinheiro. Também custam caro.
Para se compreender estas ilações, que têm analisadas por juristas como Ronald Coase, Richard Posner e Stephen Holmes, é preciso não confundir valor e preço. Desde o Código Civil napoleônico, que deu aos setores produtivos emergentes da revolução industrial garantias em matéria de liberdade de empreendimento, proteção à propriedade privada e formalização das obrigações, os direitos são uma das coisas mais valiosas que os cidadãos podem almejar. E eles valem muito mais que seu preço, mesmo que seja elevado. A noção do que é caro pode ser vista de diferentes modos. Em que medida dispomos de dinheiro suficiente para bancá-los? Ou até que ponto os custos dos direitos são altos porque o poder público é ineficiente, valorizando mais os interesses corporativos do funcionalismo do que os de quem precisa de seus serviços?
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Quaisquer que sejam as respostas, nenhum direito valioso para os cidadãos pode ser concretizado se o caixa do Tesouro estiver vazio, diz Holmes. Isso permite ver a questão dos direitos a partir de uma ótica não usual entre nós. Por exemplo, os direitos fundamentais podem ser mensurados em termos de custo orçamentário? Essa é uma questão pertinente em países como desigualdade social, como o Brasil. Apesar de a carga tributária ser alta, o orçamento do poder público é apropriado por corporações de servidores, o que o deixa sem condições de atender as necessidades dos setores mais pobres da população. Outra questão é saber não só quanto custam os direitos mas, também, como determinar quem decide a alocação de recursos escassos. Essa é uma questão que envolve as dimensões morais das diistintas formas de liberdade implícitas nas discussões sobre justiça distributiva. Se a liberdade depende de impostos, sua cobrança pressupõe justiça fiscal, por meio de políticas tributárias não regressivas.
Um terceiro ponto de reflexão é sobre o papel das instituições legislativas e judiciais no estímulo e eficiência da economia, minimizando riscos e custo das transações. Clareza e objetividade na definição de direitos e deveres propiciam estabilidade nos negócios, segurança para os investimentos e cumprimento dos contratos, o que é decisivo para o crescimento da economia. Mas quando o Estado é pouco eficiente e o ambiente institucional está minado por incertezas legais, dificultando o entendimento do presente e a formação de expectativas com relação ao futuro, as indefinições corroem as condições das quais depende o desenvolvimento.
Em suma: se os direitos tendem a se enfraquecer na ausência de um eficiente aparato institucional corretivo, a liberdade se esvazia quando o Estado não dispõe de recursos para torná-la efetiva. O que mostra a impossibilidade de se incrementar a liberdade e, ao mesmo tempo reduzir a carga tributária, como defenderam alguns candidatos e assessores na campanha presidencial. Ignorando que as liberdades públicas só são respeitadas quando asseguradas pela força do Estado, esse pessoal propôs cortes de gastos sem critérios precisos e supressão acintosa de direitos, embalados pela ideia de pagar um preço mais baixo pelos serviços públicos. Também defendeu o Estado mínimo como condição básica para estimular exponencialmente o jogo mercado. Eles não perceberam que, para funcionar bem, a dinâmica entre a oferta e a procura pressupõe uma complexa urdidura de garantias sustentadas pelos contribuintes. Também confundiram economia de mercado com sociedade de mercado, onde tudo –inclusive opções políticas- se compra e vende.
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Essa é a lição a ser aprendida por quem confunde libertarismo com liberalismo econômico: só o Estado assegura o funcionamento do mercado e garante direitos de cidadania e equilíbrio nas relações sociais. Onde não há Estado, o tecido social tende a se esgarçar. E, aí, a liberdade é sepultada pela força bruta do estado de natureza, em termos hobbesianos, cujos atores são facções criminosas.