Afinal terminou a chanchada protagonizada pelo ex-ministro do Trabalho e contracenada por sua chefe, quando pela Constituição está investida do poder de livremente nomear e demitir os ministros de Estado. Não sei se por uma ponta de malícia a exoneração só veio a dar-se depois de haver o saltimbanco apresentado sua renúncia ao cargo. Em tudo e por tudo foi melancólica a cena que se estendeu por mais de um mês, melancólica do começo ao fim. De resto, alimentada com sucessivas contemporizações concedidas pela senhora presidente, ela nada ganhou com isso, e é possível que haja perdido alguma coisa; a propósito, merece ser recordado que um dos doutores do Planalto não se acanhou em proclamar que, com o episódio indicado, a chefe do governo poderia recuperar a autoridade presidencial. Ora, restaurar ou recuperar importa em reaver o que foi perdido.
Coincidência ou não, e se bem me lembro, ao mesmo tempo em que o caso de bufoneria foi para debaixo do tapete, dois outros chegavam seriamente questionados, um envolvendo o ministro das Cidades, outro o de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
O primeiro levou o ministro à Bahia, sua terra, onde chorou, o que pouco importa, dado que homem também chora; as considerações feitas, porém, foram desconcertantes, indicando o fato de ser nordestino e a malquerença com que o Sul (sic) vê essa parcela de brasileiros seria a causa do desagrado veiculado pelos meios de comunicação contra ele. Ora, a Bahia nunca foi vista como integrante do Nordeste, e a maledicência apregoada pelo ministro parece não ser veraz, dado que outros baianos não inferiores ao ministro das Cidades tiveram larga atuação nacional e o Sul nunca lhes foi embaraço. Entre tantos, lembro de Rui Barbosa, Seabra, Miguel Calmon, Octávio e João Mangabeira, Pedro Calmon, Luiz Vianna, Clemente Mariani e quantos e quantos mais. ACM nunca se queixou do Sul ou dos preconceitos antinordestinos; e por quanto tempo pintou e bordou onde quisesse.
Com algumas diferenças, apareceu o do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; seu denunciante foi um jornal de reconhecida autoridade, “O Globo”, e, ao contrário dos outros casos, a senhora presidente saiu em sua defesa de lança em riste; e sua base de sustentação impediu que o ministro do Desenvolvimento fosse a uma das comissões da Câmara e lá pudesse esquadrinhar as imputações a ele feitas, e não só, antes de viajar ao Exterior deixou-lhes a ordem de resistir. Na Câmara, a blindagem (sic), no Planalto, a determinação imperial! Tenho como louvável a solidariedade da presidente aos seus ministros, da mesma forma destes em relação a ela. Contudo, se amanhã o curso das investigações comprovar a procedência dos reparos articulados, a comunhão entre o ministro e a presidente pode ser fatal a ambos, mais a ela do que a ele… mas imagino que eles sabem o que fazem.
É hora de sair do assunto de que me venho ocupando, dada sua real importância, mas que lembra uma charneca, com surpresas perigosas. E me sirvo da oportunidade para retornar à evocação de alguns professores da Faculdade, e fixo a minha lembrança em Hernani Estrella. Comercialista emérito, tinha a preocupação de manter a cadeira no nível superior em que a mantivera, por anos a fio, o velho André da Rocha; assíduo, cortês, sempre bem vestido, sempre sentado, saboreava algumas expressões antigas.
Assisti a seu concurso à cátedra, que vinha exercendo como candidato inscrito, e assisti à troca de palavras entre o examinando e um dos examinadores, o professor Ferreira de Souza, jurista de largos recursos e que, quando senador, distinguira-se entre seus colegas. Ferreira de Souza entendia que o candidato não tratara do ponto sorteado, e Estrella replicou que o ponto de vista sustentado pelo examinador era do professor da Faculdade de Paris com o qual ele não concordara; o papel que desempenhou o membro da banca e diretor da Faculdade, Elpídio Paes, foi decisivo a respeito. Do episódio tenho vivíssima lembrança, e talvez não exista outra testemunha. Do seu saber, quase 50 anos de magistério, mais de 60 de advocacia, deixou como síntese o primoroso Compêndio de Direito Comercial.
Fonte: Zero Hora, 12/12/2011
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