*Renato Fragelli
O Brasil encontra-se paralisado, diante de sua maior crise econômica e política desde os anos 1980. Isto depois de ter exibido uma vigorosa ascensão, iniciada a partir do governo Itamar Franco, quando foi debelada a hiperinflação, e que culminou na conquista do grau de investimento com Lula. Foram mais de duas décadas, entre as primeiras medidas de preparação do Plano Real, em 1993, e o traumático ano de 2015, quando a crise aflorou com violência aos olhos daqueles que não a perceberam antes de reelegerem a atual Presidente. Como pôde um país que havia dominado uma crônica hiperinflação, eliminado frequentes crises cambiais, bem como reduzido sua histórica desigualdade social – e todas essas proezas em pleno regime democrático –, chegar aonde se encontra hoje?
O número de postos-chaves na gestão econômica do país é relativamente pequeno, e varia de governo para governo. Na era Dilma Rousseff, além da Presidente da República e do Ministro da Fazenda, inspiraram decisivamente a política econômica o Presidente do BNDES e o Secretário do Tesouro. A esse pequeno grupo acrescente-se o Presidente do Banco Central cuja atuação limitava-se à política monetária de curto prazo, sem influência nas decisões com impacto fiscal. Conclui-se que pouquíssimas pessoas foram responsáveis pelas desastradas decisões que, em apenas um mandato presidencial, levaram o país ao impasse atual. Winston Churchill teria dito a respeito que “nunca, na história das políticas econômicas, tão poucos ficaram a dever tanto a tantos”.
O desastre foi cuidadosamente urdido por um punhado de ocupantes de cargos de relevo que lograram desmontar tudo que vinha dando certo desde meados da década de 1990. Foi o próprio Secretário do Tesouro – justamente aquele que deveria zelar pela estabilidade fiscal de longo prazo – quem concebia muitas das pirotecnias fiscais que descarrilharam o país. Na passagem de 2012 para 2013, ele arquitetou a contabilidade criativa que fabricou um superávit primário fictício. Em seguida, adotou as pedaladas que adiavam o registro contábil de gastos federais efetuados por intermédio dos bancos federais. Imaginou também operações financeiras junto a organismos internacionais onde os estados puderam reduzir temporariamente o serviço da dívida junto à União – o que permitiu aumento de gastos estaduais – eludindo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Fez isso tudo ao arrepio de sua diligente equipe de servidores concursados, cujo protesto foi tratado como rebeldia, e sob os auspícios de um Ministro da Fazenda que tudo ignorava ou parecia não entender muito bem o que estava acontecendo.
Entre as principais medidas implantadas por esse pequeno grupo, os empréstimos concedidos pelo Tesouro Federal ao BNDES – cerca de 10% do PIB –, por renderem uma taxa anual de juros muito inferior àquela paga sobre os títulos da dívida interna, custam hoje 0,5% do PIB anualmente. E continuarão a custar por décadas. Esse é o custo mensurável, pois é impossível calcular os custos de longo prazo, sob forma de atrofia do mercado de capitais e da má alocação de capital em projetos duvidosos ou insustentáveis, que geraram enorme desperdício de recursos. Outras medidas, como as isenções fiscais concedidas a esmo para setores escolhidos, que tiveram efeito pífio sobre a geração de emprego, ainda não foram plenamente revertidas.
Tudo isso foi implantado sob a liderança de uma Presidente que, mesmo sem nunca ter disputado uma eleição sequer, conseguiu se eleger e reeleger na esteira do prestígio de um líder carismático que impingiu sua candidatura a um partido cujos demais líderes encontravam-se presos ou sob investigação. De acordo com o TCU, cujo relatório foi aprovado por unanimidade por seus ministros, não há dúvidas de que a Presidente e seus colaboradores infringiram a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O atual Ministro da Fazenda tenta inutilmente articular reformas que gerem algum espaço fiscal. Neste momento não há no Congresso apoio para isto e muito menos vontade política dentro do governo. Falta também credibilidade, uma vez que o mesmo ministro participou ativamente da implantação das catastróficas políticas da Nova Matriz Econômica. Ele foi parte ativa do pequeno grupo em torno de Dilma Rousseff que levou o país à situação atual. De concreto, até agora, só conseguiu levar adiante a renegociação da dívida dos estados, que permitirá elevação – isso mesmo ! – dos déficits estaduais.
A perda do grau de investimento está impondo custos elevados às empresas que consideram a possibilidade de captar recursos no exterior no intuito de investir e gerar empregos no país. O desemprego avança a galope, a dívida pública cresce em disparada, a inflação permanece alta, o produto deve cair outros 4% este ano, e muito dos avanços sociais estão sendo revertidos. A taxa de crescimento média brasileira entre 2011 e 2016 será de um terço da média da América Latina, outra indicação de que fatores internos ao país estão por trás da recessão atual.
Enquanto isso, o próprio partido da Presidente propõe uma retomada do crescimento fundada em mais gastos e redução forçada dos juros – como se repetir os erros do passado pudesse agora gerar um acerto -, e destacados economistas desenvolvimentistas continuam defendendo essas mesmas ideias com um incompreensível destaque na imprensa. É preciso deixar claro, e repetir seguidamente, que esta é uma crise auto-infligida, causada por ideias equivocadas e implementadas por um pequeno grupo de economistas heterodoxos. Está na hora de dar nome aos bois e responsabilizar os culpados.
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2016.
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