Ayn Rand (1905-1982) foi uma filósofa, socióloga e romancista com aguda percepção das mudanças que ocorreram na comunidade internacional, principalmente à luz do choque entre o sucesso do empreendedorismo privado e o fracasso da estatização populista dos meios de produção, na maior parte dos países de ideologia marxista. Seu romance “A Revolta de Atlas” (Sextante, 2010), escrito há mais de 50 anos, talvez seja o que melhor retrata a mediocridade da corrente de assunção do poder por despreparados cidadãos que têm um projeto para conquistá-lo e mantê-lo com slogans contra as elites em “defesa do povo”, o que implica a destruição sistemática, por incompetência e inveja, dos que têm condições de promover o desenvolvimento.
No romance, os medíocres ameaçam o governo dos Estados Unidos e começam a controlar e assumir os empreendimentos que davam certo, sob a alegação de que os empreendedores queriam o lucro, e não o bem da sociedade. Tal política tem como resultado a gradual perda de competitividade dos americanos, o estouro das finanças, a eliminação das iniciativas bem-sucedidas e a fuga dos grandes investidores e empresários, que são perseguidos, grande parte deles desistindo de administrar suas empresas, com o que os governantes se tornam ditadores e o povo passa a ter os serviços públicos e privados deteriorados. Não contarei mais do romance, pois o símbolo mitológico de Atlas, que sustenta o globo, é lembrado na revolta dos verdadeiros geradores do progresso da Nação.
O que de semelhante vejo na mediocridade reinante no governo federal do Brasil, loteado em 39 ministérios e 22 mil amigos do rei não concursados, vivendo regiamente à custa da nação, sob o comando da presidente da República, é a destruição sistemática que, nos últimos anos, ocorreu com a indústria brasileira, abalada em seu poder de competitividade por um Estado mastodôntico, que sufoca a nação com alta inflação, elevada carga tributária, saldo desprezível na balança comercial, superávit primário ridículo e maquiado, rebaixamento do nível de investimento exterior, desvio em aplicações de capitais que deixam de ser colocados no país para serem destinados a outras nações emergentes, perda de qualidade no ensino universitário e na assistência social.
Por outro lado, os programas populistas, que custam muito pouco, mas não incentivam a luta por crescimento individual, como o Bolsa Família (em torno de 3% do Orçamento federal), mascaram o fracasso da política econômica. O próprio desemprego, alardeado como grande conquista – leia-se subemprego -, começa a ruir por força da queda ano após ano do produto interno bruto (PIB), que cresce pouco e cada vez menos, e muito menos que o de todos os países emergentes de expressão.
É que o projeto populista de governo, que o leva a manter um falido Mercosul com parceiros arruinados, como Venezuela e Argentina, sobre sustentar Cuba e Bolívia, enviando recursos que seriam mais bem aplicados no Brasil, fechou portas para o país celebrar acordos bilaterais com outras nações. Prisioneiro que é do Mercosul, são poucos os acordos que mantemos. Tal modelo se esgotou e, desorientados, os partidários de um novo mandato não sabem o que dizem e o que devem fazer. Basta dizer que o “ex-ministro da Fazenda em exercício” declarou, neste mês de eleição, que em 2015 continuará com a mesma política econômica, que se revelou, no curso destes últimos anos, um dos mais fantásticos fracassos da história brasileira. Parece que caminhamos para uma estrada semelhante à trilhada por Argentina e Venezuela.
No romance de Ayn Rand, quando os verdadeiros empreendedores, que tinham feito a nação crescer e a viam definhando, decidiram reagir, denominaram os detentores do poder, nos Estados Unidos imaginário da romancista, de “os saqueadores”. Estes, anulando as conquistas e os avanços dos que fizeram a nação crescer para se enquistarem no poder, por força da corrupção endêmica, da incompetência, de preconceitos e do populismo, levaram o país à ruína.
À evidência, não estou alcunhando os 39 ministérios e os 22 mil não concursados de integrantes de um grupo de “saqueadores”, como o fez Ayn Rand. Há, todavia, na máquina burocrática brasileira – com excesso de regulamentação inibidora de investimentos, assim como de desestímulo ao empreendedorismo, e escassez de vontade em simplificar as normas que permitem o empreendedorismo, apesar do esforço heroico e isolado de Guilherme Afif Domingos, uma gota no oceano -, algo de muito semelhante entre o descrito em seu romance há mais de 50 anos e o Brasil atual. Basta olhar o “mar de lama” da corrupção numa única empresa (Petrobras). O que mais impressiona, todavia, é que, detectada a ampla corrupção na empresa – são bilhões e bilhões de dólares -, o governo tudo faça para congelar a CPI e não desventrar para o público as entranhas dos mecanismos deletérios e corrosivos que permitiram tanto desvio de dinheiro público e privado. O simples fato de não querer apurar a fundo, de desviar a atenção desse terrível assalto à maior empresa pública privada, procurando dar-lhe diminuta atenção, como se o governo nada tivesse de responsabilidade, torna suspeita a gestão, pelo menos na denominada culpa in vigilando.
Precisamos apenas saber se o eleitor brasileiro está consciente de que, se não houver mudança de rumos, o Brasil de país do futuro, como escreveu Stefan Zweig, se tornará, cada vez mais, o país do passado, vendo o desfile das outras nações passando-lhe à frente, por se terem adaptado às mudanças de uma sociedade cada vez mais complexa e competitiva, em que apenas os países que se prepararem terão chances.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 25/09/2014
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