A posse de Bolsonaro foi uma decepção para a resistência de auditório: a luta continua contra o fascismo imaginário. Foi duro assistir ao vivo o famoso projeto de volta à ditadura fazendo juras de amor ao povo e à democracia. Mas não pensem que a guerrilha cenográfica se deu por vencida: agências internacionais de notícias distribuíram uma foto da primeira-dama informando que ela fazia uma saudação militar.
Na verdade, era um momento do discurso de Michelle para surdos em que, no gestual das libras, sua mão direita estava à altura da testa. Isso virou uma continência. E essa continência fake rodou o mundo.
O cego de caráter só enxerga o que quer.
Veja mais de Guilherme Fiuza:
Direitos desumanos de toga
A suprema chantagem
Do pedalinho ao viaduto
Que vexame, você deve estar pensando. Vexame nada, bobo! Passou batido, tranquilo, repercussão nenhuma. Provavelmente teve até gente achando isso uma sacada jornalística “genial”. Não acham geniais todas essas suásticas e bigodinhos de Hitler que projetam nos adversários do Lula, o guardião supremo da democracia encarcerada?
Então… Está mais do que liberado distorcer, dissimular, produzir fake news dizendo combater as fake news e outras práticas nobres. Ninguém passa mais vexame com picaretagem intelectual – se o picareta tiver o discurso certo.
Não adianta o Trump conseguir avanços sem precedentes na diplomacia com a Coréia do Norte se a Meryl Streep e a Oprah Winfrey não gostam dele. As manchetes continuarão anunciando a Terceira Guerra Mundial. E Michelle boa é a Michelle Obama. Não venham com imitações esbranquiçadas, que a imprensa isenta, democrática e antifascista vandaliza na primeira oportunidade.
O Brasil passou um ano e meio vendo boa parte da grande imprensa tentando derrubar um presidente no grito. Uma fanfarra pautada por um dos mais melancólicos personagens da cena pública brasileira, Rodrigo Janot, articulado com um empresário enriquecido pelo petismo para arrebentar com a recuperação do país pós-Dilma – com o auxílio sempre cirúrgico dos comparsas do STF.
Todos os personagens da conspiração mais suja da história contemporânea brasileira estão soltos e impunes. Contando ninguém acredita.
E essa conspiração foi inteiramente baseada num naipe de fake news, trombeteadas à exaustão nos ouvidos da população, fazendo crer que uma quadrilha “mais perigosa” que a do Lula estava engolindo o país – nas palavras do açougueiro biônico do PT que Janot, Miller, Fachin, Carminha e a imprensa FreeBoy trataram como herói do arrependimento e tentaram presentear com um final feliz em Nova York. Infelizmente o laranja bebeu demais e confessou a armação num áudio que estragou tudo.
A opinião pública brasileira embarcou nesse engodo – inclusive parte dela que votou contra o PT para presidente. A greve criminosa dos caminhoneiros, um atentado panfletário à vida nacional que transformou o Brasil em Venezuela por duas semanas, chegou a ter a simpatia de parte desse público que achava que estava espantando a quadrilha “mais perigosa” que a do Lula.
O que estava acontecendo no país pós-impeachment, caros justiceiros de ocasião, era justamente o contrário. Vá ao Google, não vamos cansar sua beleza aqui. Apenas lembrar que de 2016 a 2018 uma equipe séria – com o melhor central banker do mundo, segundo o “Financial Times” – tirou o país da recessão e organizou as contas depauperadas pelo PT.
Não à toa, diversos integrantes desse time montado e cacifado por Temer foram compor as equipes de Bolsonaro e de Dória. Sobreviventes de um ano e meio de linchamento ininterrupto… Será que papai do céu tá vendo?
Fica combinado assim: Michelle Bolsonaro estava batendo continência, Joesley é herói nacional e Lula perdeu a eleição para o Whatsapp. Não são caricaturas – são flagrantes do rebolado das manchetes contemporâneas.
Se o Brasil continuar tolerando esse nível de picaretagem intelectual – com vozes supostamente idôneas assegurando ao mundo que tudo não passa de uma armação para tirar o poder dos bandidos simpáticos do PT – vamos ter problemas, como diria a juíza Gabriela Hardt. É preciso entender que as urnas falaram exatamente disso: há toda uma população aviltada e farta desse truque charmoso.
Tomem juízo, senhoras e senhores. O país está ferido, e os efeitos colaterais da sua hipocrisia estão mostrando que a brincadeira ficou perigosa.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 05/01/2019