Os editores do primeiro número do ano da revista “Veja” encontraram uma ideia feliz – a de um leopardo – para resumir o desafio que nosso desenvolvimento enfrenta: o país precisa de muita velocidade na solução dos seus problemas, para que eles não cresçam mais do que a capacidade de alcançá-la.
Poderiam ter acrescentado que a alternativa é perder o bonde da história, da corrida das nações, e começar a andar para trás – como a Argentina. Nosso vizinho era Primeiro Mundo antes de a expressão virar moda. Sem estratégia sensata para se manter no pódio, assolado por governos estúpidos, foi perdendo gás como nadador cansado, e nunca chegou à praia.
O Brasil já teve momento de trem-bala. Entre 1930 e 1970, o PIB brasileiro gozou do mais longo período de bonança entre os de muitos países: média de 6% a 7% de crescimento anual, por anos a fio. Só a China iguala isso, hoje em dia, depois de dois séculos, ou mais, de pobreza abjeta. E seu povo está longe ainda de superar o atraso social e econômico, apesar da propaganda de obras do seu governo.
Desde a crise da dívida e do petróleo dos anos 70, a locomotiva brasileira deixou seu andamento prestissimo, foi caindo para o moderato, entrou num adágio no governo Dilma e, agora, no ano passado, chegou a resfolegar como Maria-Fumaça dos anos 20.
O resumo da ópera é muito simples: ou recalçamos a bota de sete léguas que puxou a República do Jeca-Tatu do século 19 para o Brasil da Embraer, da Embrapa, da USP, da Unicamp, do ITA, do IPT, da Poli, da indústria de ponta, da internet, da TV digital, da 6.ª ou 7.ª economia do mundo, ou todas essas realizações começarão a sentir o peso do trem de carga que arrastam e não vão aguentar.
A boa discussão não é como, quando e por onde construiremos um trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro, pois a China construiu quatro, enquanto discutimos um. A questão é como, quando e de que modo colocaremos toda a economia dentro de um trem-bala, para que ela cresça mais velozmente do que as necessidades e carências da população, que ganham mais velocidade quanto mais se acumulam. Exemplo: quanto mais demoram os recursos, os planos, a montagem do arcabouço institucional para atacar com vigor o problema do saneamento, mais as doenças resultantes da sua falta assolam a população. E mais os hospitais, ambulatórios e creches se tornam insuficientes para o atendimento, gerando maior disseminação das doenças.
Anos de descaso, desleixo e negligências com a área de educação e ensino geraram tudo isto que está aí: escolas que não ensinam direito, alunos que não aprendem direito, professores que não atendem à qualificação mínima para o ofício. Ou advogados e médicos reprovados anualmente nos testes básicos de capacitação. Engenheiros e arquitetos, também. E, para cada brasileiro que se sobressai, até internacionalmente, na qualificação para a Matemática, em exames individuais, existem milhares, talvez milhões, que precisam mostrar os dedos para saber quanto é dois mais dois.
Ora, esse é um atraso que não se corrige de uma hora para outra, como pode ser a construção de uma ponte ou a reconstrução dos estragos de uma enchente. Mas nem isso conseguimos fazer com a velocidade necessária, haja vista as reportagens sobre os estragos do ano passado, a maioria ainda estragada.
Na virada à direita da Rua da Consolação para a Avenida Dr. Arnaldo, a Prefeitura de São Paulo levou quase um ano reparando a calçada de apenas uma quadra, no ano passado. O Viaduto Orlando Murgel está há meses com meia pista à espera de reparos por causa de um incêndio. Assim ficou também a Ponte do Limão durante anos, por um pequeno problema de estrutura na administração Pitta.
Cito pequenos casos porque são os que todo mundo que mora em São Paulo testemunha diariamente. Tenho certeza de que, no resto do Brasil, o povo também testemunha, diariamente, a falência da administração pública. Em quase tudo: rodovias, ferrovias, ruas, pontes, hospitais, escolas, delegacias, tribunais, creches – enfim, uma presença cada vez mais precária do Estado e do setor público.
E, no entanto, o Estado brasileiro dispõe de recursos crescentes, de impostos, de empréstimos, de moeda estrangeira, de endividamento interno e de poder político interno. Nisso, nunca teve tanto poder, a não ser na ditadura. E dispõe também de quadros técnicos competentes, produzidos por escolas de elite, de engenharia e de administração pública.
O que é que falta?
Em primeiro lugar, falta foco.
Em segundo, velocidade, nas decisões e nas ações.
Em terceiro, continuidade das tarefas e dos trabalhos.
Não dá para aguentar que, em cada mudança de governo, nos planos municipal, estadual ou federal, se mude o foco, criem-se vários focos, perca-se velocidade e ritmo e, principalmente, se descontinuem as tarefas e os trabalhos.
Brasileiro só tem ritmo nos pés, para o futebol e para o samba – já disse um crítico. Para o resto, é uma pasmaceira. É verdade. O ritmo do leopardo só apareceu na construção dos estádios para a Copa.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 14/01/2013
Lamentavelmente não vemos nem um vagalume no fim do túnel, para acender em nós, pelo menos, a esperança.