O fato é que poucas vezes na história do regime de metas as expectativas de médio prazo mostraram tendência de queda apesar da alta nas expectativas no ano imediatamente anterior, como o observado agora. Quadro semelhante só ocorreu nos segundos semestres de 2005 e de 2012.
O incômodo é que as expectativas para 2016 seguem bastante acima da meta de 4,5%. Seria exagero, no entanto, tomar todo o desvio como medida da perda de reputação do BC.
Primeiro, há previsão de alta relevante de preços administrados em 2016, que caso estivessem pelo menos em linha com a meta (e não em 5,8%), implicariam expectativas 0,2 pp mais baixas.
Segundo, em função da elevada inércia inflacionária, é natural que as expectativas de 2016 estejam contaminadas. O peso da inércia de 2015 sobre a projeção de 2016 pode estar ao redor de 1 pp, cifra bastante elevada.
Terceiro, a própria rigidez atual da inflação de preços livres, que aumentou nos últimos anos, acaba reforçando a baixa flexibilidade das expectativas de 2016. Há evidências que a inflação corrente contamina as expectativas de curto/médio prazo. Assim, conforme a inflação corrente começar a ceder, naturalmente as expectativas de 2016 tenderão a cair.
Mas por que ocorreu o aumento da rigidez ou inércia inflacionária? Será novamente tudo culpa do BC?
Se sim, pode-se esperar que o esforço para o combate à inflação será ainda maior. Caso contrário, pode haver condições para que o BC prepare em breve uma pausa na alta de juros, ainda que temporária, para observar a reação da inflação ao aperto monetário e fiscal mais recente.
Em outras palavras, nesse trabalho de sintonia fina, em que a arte ganha peso sobre a técnica, se o BC julgar que o trabalho de construção de credibilidade já está em trajetória satisfatória, e que a rigidez da inflação tende a ceder, ele poderá exercer a flexibilidade para conduzir a política monetária conquistada pela melhora de sua reputação.
Retomando a pergunta sobre a razão da elevação da inércia, fruto em boa medida da rigidez da inflação de serviços, não há como desprezar a responsabilidade da política fiscal. Na literatura econômica está consolidada a importância do compromisso com a disciplina fiscal para a ancoragem da inflação, o que falhou muito nos últimos anos.
A política fiscal, muito concentrada em gastos de custeio e transferências de renda, acaba afetando de forma mais expressiva o setor de serviços. Assim, a expansão fiscal é peça fundamental para explicar a baixa sensibilidade da inflação de serviços ao ciclo da política monetária nos últimos anos, e assim o aumento da inércia inflacionária.
As políticas de expansão fiscal e crédito subsidiado promovidas pelo governo provavelmente elevaram a taxa de juros real neutra (aquela que mantém a demanda agregada igual ao produto potencial) prejudicando os canais de transmissão da política monetária. O termo mais preciso é, na realidade, taxa de juros real de equilíbrio de curto prazo, que é aquela que leva em consideração não apenas fatores estruturais (que definem a taxa neutra), mas também os conjunturais, como a política fiscal. Há evidências empíricas nesta direção de juros de equilíbrio mais elevados. Em outras palavras, mais peso nos ombros da autoridade monetária.
Sem entrar na discussão de qual a taxa de juros neutra que o BC trabalha, à luz de estimativas mais recentes de vários autores e o impacto da política fiscal, é razoável considerar que o aperto monetário atual já é expressivo. E tende a crescer pela queda em curso das expectativas inflacionárias que eleva a taxa real de juros. E a contração fiscal recente poderá ter papel importante na desinflação em serviços e, portanto, redução da inércia inflacionária. Ainda não deu tempo para a contração fiscal/para-fiscal se materializar sobre a inflação, sendo necessários alguns trimestres (entre dois e três).
Os sinais de queda de demanda – vendas do varejo e faturamento dos serviços no campo negativo em termos reais – e de deterioração do mercado de trabalho – queda da inflação de salários – são evidências que a alta da Selic do último ano já afeta a economia.
Enfim, com juros reais mais elevados, sinais recessivos na demanda agregada, contração fiscal e recuo das expectativas inflacionárias, parece haver condições para uma pausa dos juros. Ainda que se prove transitória, caso a inflação de preços não inicie trajetória de queda nos próximos meses.
De um lado, está o risco de uma pausa precoce do ciclo de alta de juros que leve a uma piora das expectativas. De outro, o risco de juros excessivos que podem se traduzir em piora da avaliação de risco do país. O primeiro risco hoje é menor do que no passado e já pode ser menor que o segundo. Talvez valha a pena a ousadia.
Fonte: Broadcast, 19/06/2015.
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