com Ari F. de Araujo Jr (*)
O recente “Tropa de Elite 2” é um excelente filme em vários aspectos, inclusive na tentativa de retratar de forma bem realista o comportamento racional dos indivíduos. Talvez a lição mais importante – e que se aplica, inclusive, no caso da invasão do Complexo do Alemão – é que as pessoas querem segurança, infra-estrutura básica e o direito a uma oportunidade inicial idêntica para, depois, melhorar de vida pelo próprio trabalho (a chamada meritocracia). Mais ainda, não importa se isto tudo é fornecido pelo governo ou traficantes. Se o governo mostrar que seu fornecimento de toda esta “infra-estrutura social” sai mais barato para a população (em termos não apenas de valores monetários pagos, mas também em termos de vidas preservadas), a mesma tenderá a aceitá-lo com menos restrições. Caso contrário, o “domínio” do tráfico fica facilitado.
Como mostrou o citado filme, locais como o “Complexo do Alemão” são um verdadeiro mercado não apenas para as drogas, mas para qualquer produto. A ausência do aparato legal o torna contestável por diversos competidores que – à sua maneira – ofertam segurança pública (diferentes milícias e traficantes). Em geral, a conquista deste mercado se dá conforme a força relativa de cada grupo e não é preciso ser muito genial para perceber que a conquista não é perene, mas sujeita a novas contestações dos outros competidores. Não é à toa que Levitt e Dubner, em seu Freakonomics, chamam a atenção para a curta expectativa de vida de traficantes, por exemplo.
Vilfredo Pareto, famoso por suas contribuições em Economia e em Sociologia, afirmou que os esforços dos indivíduos poderiam ser direcionados para duas formas de enriquecimento: produção ou transformação de bens econômicos ou apropriação de bens alheios. O último caso é geralmente mais frequente em situações nas quais o papel da lei não é reconhecido pelos envolvidos na disputa. Paradoxalmente, tais situações não são apenas geradas pela “ausência de governo”, como dizem boa parte dos formadores de opinião, mas também pela “presença de governo”. Como isto é possível?
Para entender isto basta, novamente, citar os fatos narrados pelo Coronel Nascimento em “Tropa de Elite 2”: milícias levam “pacificação” às favelas por meio de interesses políticos que envolvem governantes e políticos. Claro que, no mundo real, a situação é mais complexa e a teia de interesses podem envolver ONGs ou outros grupos de interesses específicos organizados. Não há “mocinhos” e “bandidos” nesta história: todos os envolvidos têm interesses mais ou menos específicos, muitas vezes não compatíveis com seus discursos.
A invasão do Complexo do Alemão não teve sua documentação “vazada” por algum “wikileaker” e, portanto, não sabemos até que ponto relações de corrupção foram preservadas pela fuga de traficantes que comprometeriam a imagem pública de consumidores de drogas (ou outros bens de origem ilícita) da “alta sociedade carioca”, sejam eles artistas, políticos ou ongueiros. Isso, contudo, não nos impede de pensar na necessidade de uma outra “tropa de elite”. As aspirações das populações de locais como o Complexo do Alemão somente estarão asseguradas quando o preço relativo da infra-estrutura social fornecida pelos governos legalmente eleitos for permanentemente menor do que o que se pode obter de outros grupos. Isto significa que é necessário uma outra tropa de elite que assegure os benefícios obtidos pelos moradores do Complexo durante os últimos dias. Em outras palavras, o lado positivo da invasão não se resume apenas a minimização da presença do tráfico na região. O respeito à lei somente será conseguido se os indivíduos tiverem: (a) direitos às suas propriedades regularizados, permitindo-lhes efetivamente escolher entre morar no Complexo ou vender/alugar suas moradias; (b) infra-estrutura social básica; (c) segurança pública eficiente (ou seja, uma segurança pública que é temida por quem transgride e respeitada por quem cumpre as leis).
Finalmente, esta tropa de elite necessita intervir em outro campo de batalha, num campo hoje desguarnecido, a(re)formulação dos procedimentos legais para que o custo do crime seja efetivamente aumentado (alterações nas leis penais). Isso acontece quando a intolerância contra a corrupção aumenta, inibindo políticos de cometerem ilícitos. Não se trata apenas de ignorar o problema, como faz boa parte de nossa elite, mas sim de condená-lo publicamente e buscar soluções como deveria fazer nossa outra “tropa de elite”.
(*) Professores do Ibmec Minas Gerais e colaboradores do Instituto Millenium
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