Segundo o ministro da Fazenda, o fraco desempenho da economia brasileira no mandato da presidente se deve exclusivamente à conjuntura internacional.
Diante da mais severa crise do capitalismo desde os anos 30 do século passado, a redução do crescimento brasileiro seria consequência inevitável, descontadas, é claro, todas as bravatas sobre a “marolinha” que jamais afetaria o desempenho nacional.
O argumento, reproduzido à exaustão a cada pronunciamento ministerial, é logicamente impecável, sofrendo apenas de um modesto problema: não guarda a mais remota semelhança com o ocorrido, seja no que se refere ao Brasil, seja no que diz respeito à economia global.
Não é necessário mais que uma simples tabela para demolir a história oficial, no caso uma que compare o crescimento brasileiro ao mundial, assim como ao do conjunto dos países emergentes, cobrindo os últimos cinco mandatos presidenciais.
Como se vê, o mundo cresceu algo como 3,5% ao ano entre 2011 e 2014, precisamente o mesmo ritmo registrado nos quatro anos anteriores. Por outro lado, o Brasil, que crescera 4,6% ao ano no período 2007-10, deve registrar expansão de apenas 1,6% anual nos últimos quatro anos, redução abrupta equivalente a três pontos percentuais. Nunca antes na história recente deste país o Brasil ficou tão para trás da economia global.
Posto de outra forma, a desaceleração mundial não pode ser invocada como motivo para a piora extraordinária do nosso desempenho, simplesmente porque jamais ocorreu, certamente não fora da fértil imaginação do ministro da Fazenda.
A tabela também sugere que a “velocidade de cruzeiro” da economia global não parece ser muito diferente da observada no período mais recente: em 4 dos últimos 5 mandatos presidenciais ali destacados o mundo se expandiu à taxa de 3,5% ao ano, saindo da toada apenas no período 2003-2006, quando se acelerou para 5% anuais, sob o efeito combinado da bolha imobiliária nos países ricos e do pico do crescimento chinês.
Nesse sentido, mesmo reconhecendo que a recuperação global poderia ser mais vigorosa, considerada a intensidade da queda do produto observada durante a crise de 2008-09, o ritmo de expansão mundial não chega a ser particularmente desastroso, pelo contrário.
Já se limitarmos a comparação ao conjunto de países emergentes, as conclusões são ainda mais vexatórias. Em momento algum o Brasil conseguiu superar o desempenho de nossos pares. Afora isso, mesmo nos últimos quatro anos, quando a expansão emergente perdeu algo de seu brilho, caindo de 6,2% para 5,1% ao ano, a piora nacional foi bem mais pronunciada, padrão também difícil de reconciliar com a desculpinha oficial para a queda aguda do nosso crescimento.
Nosso lamentável desempenho não pode, portanto, ser atribuído nem à (inexistente) desaceleração global nem à (muito mais modesta) desaceleração das economias emergentes. Como notado (com certo atraso) pelo FMI, se queremos entender o que vem ocorrendo no Brasil, temos que buscar causas locais, que, aliás, não são tão difíceis de encontrar.
Em primeiro lugar, a redução visível do crescimento da produtividade, refletindo em larga medida a virtual paralisia do esforço reformista que marcou o país entre 1990 e 2005.
Em segundo lugar o esgotamento da mão de obra ociosa, que durante algum tempo permitiu expansão baseada na simples adição de trabalhadores ao processo produtivo.
E, por fim, também a fraqueza do investimento, que caiu de insuficientes 19,5% do PIB em 2010 para risíveis 17,7% do PIB nos últimos quatro trimestres, a despeito da maciça injeção de recursos nos bancos públicos, assim como de toda sorte de incentivos fracassados.
Nenhum desses fenômenos óbvios é sequer reconhecido como problema no discurso oficial, que continua a insistir nas fantasias que criou, vendendo ovo por carne, tentando justificar a injustificável deterioração em praticamente todas as dimensões da economia brasileira.
Fonte: Folha de São Paulo, 15/10/2014
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