Destravar a América Latina
Com mísero avanço de 0,2%, o Brasil ficará em penúltimo lugar na corrida do crescimento entre os países sul-americanos, neste ano, à frente apenas da estropiada Venezuela, segundo a nova projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI). As previsões de expansão da economia brasileira e de várias outras da região são piores que as publicadas em outubro, mas há vigorosos sinais de vitalidade na maioria dos casos. Todos devem cumprir uma pauta de reformas para remover entraves e ganhar dinamismo. O caso brasileiro é especialmente complicado. Enquanto se espera o País sair da UTI, depois de mais de dois anos de recessão, o governo tem de avançar no ajuste das contas públicas e pôr em movimento, ao mesmo tempo, uma desafiadora revisão da Previdência, das normas trabalhistas e do sistema tributário.
Pela primeira vez em muitos anos as projeções de janeiro são publicadas sem revisões para baixo, disse na semana passada, em Davos, a diretora gerente do FMI, Christine Lagarde. Mas ela se referia, embora sem explicitar esse ponto, às estimativas de crescimento global, do mundo rico e dos grandes emergentes fora da América Latina. No caso latino-americano houve, de fato, várias correções para menos. A previsão para o México foi reduzida de 2,3% para 1,7%, por causa das incertezas criadas pelas ameaças protecionistas do presidente norte-americano Donald Trump e de alguns fatores internos. A nova política americana, com provável aumento de estímulos fiscais, poderá proporcionar alguns benefícios à América Central e ao Caribe, menos visados como concorrentes comerciais.
Os países mais dinâmicos da América do Sul, já prejudicados pela baixa dos preços das matérias-primas, têm perdido impulso, mas devem continuar em crescimento. As estimativas para 2017 foram reduzidas em alguns casos. No caso da economia peruana, a expectativa de expansão mudou de 4,1% para 4,3%. Problemas fiscais e de inflação surgiram em quase todos, mas, de modo geral, políticas de correção já foram iniciadas e têm produzido bons efeitos. O desafio, em todos os casos, é ampliar as bases para o crescimento, com redução da informalidade e da burocracia, investimento em infraestrutura, melhora da formação de mão de obra e reforço institucional. Parte da agenda foi discutida em Davos, na semana passada. É preciso reduzir a dependência das exportações de matérias-primas, muito ampla, e diversificar as fontes de crescimento.
Os problemas do Brasil e da Argentina são mais complicados, porque incluem desajustes consideráveis acumulados em vários anos. Programas de correção foram implantados na gestão das contas públicas e na melhora dos fundamentos. Nos dois países é indispensável, ao mesmo tempo, destravar a produção e ganhar a confiança dos investidores.
O caso do Brasil foi tratado mais extensamente, na apresentação do diretor de Hemisfério Ocidental do FMI, o mexicano Alejandro Werner. O desempenho da economia no segundo semestre, mais fraco que o previsto, justificou uma revisão das estimativas para baixo.
O crescimento estimado para 2017 foi reduzido de 0,5% para 0,2%, com expectativa de aceleração na segunda metade. Mas o cenário inclui o esforço de ajuste, a aprovação do limite do gasto púbico e o encaminhamento da reforma da Previdência. Inclui também referências ao rápido declínio da inflação e à aceleração do corte de juros, além da perspectiva de nova legislação para o conserto das contas estaduais.
O quadro é atualizado, como demonstram as menções à crise fiscal dos Estados e aos juros. Há um discreto otimismo na apresentação do cenário, como se houvesse uma mensagem subjacente: os desafios estão bem definidos, a agenda é conhecida e os primeiros passos foram dados.
Se o caminho for abandonado, o preço será obviamente alto. Entre 2015 e 2018 a Venezuela deve acumular quatro anos de recessão, com uma economia desarvorada e já a caminho da hiperinflação. Os políticos brasileiros deveriam dar especial atenção a esse detalhe. Se acontecer o pior, ninguém poderá alegar inocência.
Editorial de “O Estado de S. Paulo”, 24 de janeiro de 2017.
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