O governo Temer, mesmo impopular, teve muitos méritos. Um deles foi o de montar um time técnico com profissionais de grande qualidade, do setor privado e do setor público, não só na área econômica, mas também em alguns ministérios e na Casa Civil. Um bom casamento entre ministros políticos e assessores técnicos.
Atrair talentos requer duas condições principais: o compromisso do presidente com uma agenda consistente e a autonomia dos técnicos na tomada de decisão. Ainda que a palavra final seja do presidente, as recomendações técnicas precisam ser minimamente atendidas.
O mesmo vale para montar um time competente no Banco Central, mas com uma condição adicional: a plena autonomia para cumprir a meta de inflação, sem pressão do governo para reduzir a taxa de juros e estimular artificialmente a economia.
O Banco Central do Brasil não tem autonomia prevista em lei, o que envolveria, por exemplo, dirigentes com mandatos fixos e não coincidentes com o mandato presidencial. Na prática, no entanto, o BC tem gozado de autonomia em suas decisões. Mesmo na gestão Dilma, a possível pressão para o Comitê de Política Monetária (Copom) cortar a taxa de juros não impediu a alta da Selic para 14,25% ao ano. O risco no Brasil tem sido mais de o presidente indicar um colegiado menos zeloso no controle da inflação, do que de pressioná-lo.
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A campanha de Jair Bolsonaro vem sinalizando a intenção de promover a independência legal do BC. A sinalização tem méritos, mas perde a essência dos problemas econômicos atuais. À luz da urgência de reformas fiscais, seria equivocado tratar a independência ou autonomia do BC como prioritária. Melhor poupar capital político para o que importa neste momento.
Na realidade, é mais o compromisso com reformas fiscais, e menos com a autonomia formal, que permitirá atrair quadros com elevada reputação ao Copom. Reformas estas que tragam uma perspectiva de equilíbrio orçamentário nos próximos anos e estabilidade (ou queda) do estoque da dívida pública como proporção do PIB adiante. Isso porque o bom trabalho do BC no cumprimento da meta de inflação depende de responsabilidade fiscal do governo.
Vivemos um ensaio de descontrole da inflação por conta de má gestão da política fiscal no governo Dilma. Começou com a rápida deterioração das contas públicas e agravou-se com a perda do selo de bom pagador, ou o chamado grau de investimento, pelo Brasil em 2015.
Naquele momento, dois dos principais pesquisadores da política monetária no Brasil, Affonso Celso Pastore e Tiago Berriel, alertaram para o risco de o País estar caminhando para um quadro de dominância fiscal, que é quando o banco central perde o controle da inflação por conta de falta de confiança na capacidade do governo de honrar sua dívida. Com dívida pública crescente e sem perspectiva de estabilização, investidores e poupadores passam a adotar posturas defensivas na administração de seus recursos, pressionando o dólar e a inflação.
É possível que estivéssemos caminhando para esta patologia, risco que foi afastado pela política econômica do governo Temer. Sem reformas, no entanto, iremos reacender este risco, dada a gravidade da crise fiscal.
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O compromisso com o ajuste fiscal também é crucial para atrair talentos para a Fazenda e o Planejamento. Há regras legais que disciplinam o orçamento federal – “regra de ouro” da Constituição de 1988, Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000 e a “regra do teto” de 2016 –, e seu não cumprimento implica punição dos gestores públicos. Reformas são urgentes para evitar a violação dessas regras no futuro próximo.
Se o próximo presidente deseja um time econômico cinco estrelas, deverá rapidamente se comprometer com uma boa agenda de reformas fiscais, a começar pela Previdência. Não basta a boa vontade do ministro da Fazenda. Precisa ter a palavra do presidente.
Fonte: “Estadão”, 25/10/2018