Muricy Ramalho, técnico do Palmeiras, deve dormir mascando chiclete. Faz isso o tempo todo. Quando fala, as palavras lhe saem mastigadas e o microfone capta o desagradável ruído das mandíbulas em operação.
Mas por que estou falando em Muricy? Porque existem pessoas que, em vez de mascarem chiclete, usam as palavras como se chicletes fossem, dando-lhes o jeito que melhor lhes convém. Mascam um falatório no qual os vocábulos mudam de sentido para iludir os incautos. É o caso dos invasores de terras. “Invadir? Não, nós não invadimos, apenas ocupamos”, disse-me outro dia um defensor do MST. E é sempre assim. Juram que não fazem aquilo a que se dedicam em tempo integral. E quando a BM chega ainda a acusam de estar invadindo.
O que o MST faz é coisa diferente? Vejamos. O que tornaria a “ocupação” moralmente aceitável com vistas à reforma agrária e substancialmente distinta da reprovável invasão? A questão não é apenas semântica. Ela abriga conteúdos de conhecimento indispensável para que se tome a posição correta. Esclarecem-nos os ruminantes de vocábulos: invasão seria o ingresso em propriedade alheia para assumi-la como coisa própria (é claro que numa perspectiva legal e moral isso não pode ser aprovado). Ocupação, por seu turno, seria a presença em propriedade alheia para cobrar do governo o atendimento de demandas que se têm como justas. Mais ou menos o que os Estados Unidos fizeram no Iraque, mas sobre o que aconteceu lá o pessoal do MST diz que foi invasão, claro.
Faz sentido? Não, não faz o menor sentido. E, dado que os próprios autores da distinção entre os dois conceitos admitem que o tema tem implicações morais, não se pode, em relação a ele, fazer concessões.
Exemplifiquemos. Um grupo de sem-teto ingressa na sua residência, leitor, e lhe determina que se retire. Você discute, reage, mas acaba no olho da rua. Estando fora, busca retornar, mas não lhe permitem. Você protesta: “Com que direito invadem minha casa e dela me expulsam?” E o grupo responde: “Perdão, senhor, não estamos invadindo. Uma invasão seria moralmente inaceitável. O que estamos fazendo é ocupação, coisa legítima e bem diferente”. E, assim, servem-se do conteúdo da sua geladeira, deitam-se na sua cama e fazem uso de seus bens.
Se você não recorrer às autoridades, eles permanecerão. Ocupando. Se você apelar às autoridades e o Judiciário deferir sua reintegração de posse, rasgarão a ordem do juiz, que convocará a força pública. Neste caso, perante a ação policial, eles se retirarão, ou serão retirados, deixando o bem conhecido rastro de selvagem destruição. E na invasão? Na invasão, é tudo do mesmo jeito, ora essa. E do mesmo mau jeito. No começo, no meio e no fim, os eventos e os procedimentos serão idênticos. Não se maltrata desse modo o significado das palavras em matéria tão grave, a menos que se tomem os demais por idiotas.
Enquanto escrevo este artigo, o MST encerrou o ataque terrorista a um laranjal em São Paulo, no qual foram derrubados 7 mil pés de laranjas. E, de lambuja, destruídos 28 tratores. As cenas do local lembram um terremoto em Sumatra. Arre! O que as lideranças do MST não percebem é que perderam, junto com o respeito da opinião pública, todas as perspectivas confessáveis do seu movimento. Ficaram apenas as inconfessáveis.
(Zero Hora, 11/10/2009)
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