A Operação Lava Jato vem escancarando, como nunca antes visto, o nosso capitalismo de laços. Ainda assim, muitos lançam dúvida sobre o seu poder transformador. O caso mais lembrado é o da Itália, cuja Operação Mãos Limpas inspirou Sérgio Moro. Ali, apesar do indiciamento de quase 3 mil empresários e políticos, o processo abriu espaço para a emergência de figuras controversas (como Silvio Berlusconi) e, segundo muitos, só fez gestar corruptos ainda mais sofisticados.
Entretanto, como escrevi neste jornal há quase um ano, em 30/4/2015, uma comparação mais apropriada ao momento atual brasileiro não é a Itália, mas, sim, os EUA no final do século 19. Naquela época, os EUA eram como um grande país emergente atual: corrupção generalizada, políticos nos bolsos dos empresários e setores dominados por grandes grupos. Uma forte depressão, custos de vida elevados e casos recorrentes de corrupção alimentaram a insatisfação popular. Reivindicações e críticas se multiplicavam, favorecidas por custos de distribuição de notícias cada vez menores (como ocorre nas mídias sociais de hoje). Respondendo ao clamor popular, novas leis e o combate vigoroso a práticas anticompetitivas limitaram o poder das grandes corporações. Figuras públicas que se notabilizaram por denunciar corruptos e pregar profissionalismo na gestão pública passaram a emergir e ser recompensadas pelas urnas.
Seguirá o Brasil essa mesma trajetória? Tudo indica que estamos num ponto de inflexão com dois potenciais resultados diametralmente opostos. No desfecho ruim, a pressão popular descamba para violência e viés partidário; decisões apressadas e sem amparo em provas minam a legitimidade das investigações em curso; políticos com histórico duvidoso e discurso fácil ganham espaço e tentam minar as investigações; e a economia degringola com medidas populistas e irresponsáveis. No desfecho bom, as investigações seguem firmes com serenidade e rigor processual; desvios comprovados são punidos de forma exemplar, independentemente de partidos ou orientações políticas; surge um governo mais orientado para as necessárias reformas; e novas eleições recompensam os melhores e colocam os corruptos no ostracismo.
Por definição, um ponto de mudança é largamente incerto. Os teóricos de mudança institucional enfatizam que grandes transformações ocorrem por um acúmulo de pequenos eventos e condições particulares. Crucial, neste processo, será a contínua pressão social. Como nos EUA no fim do século 19, a crise atual é um desalento, mas tende a manter viva a insatisfação popular. Os políticos mais visionários responderão a essa insatisfação com boas propostas e aprovação de leis transformadoras. De fato, já tramitam projetos de lei que, se aprovados, ajudarão a coibir novas irresponsabilidades (por exemplo, propostas para reduzir a intervenção política nas estatais e disciplinar a distribuição de subsídios, entre várias outras).
A mensagem decisiva, entretanto, deverá ser dada pelas urnas, nas próximas disputas. O cálculo dos políticos é simples: eles fazem tudo o que aumenta a sua chance de eleição. Na receita antiga, o jogo era simplesmente arrecadar mais dinheiro de campanha via acordos com empresas doadoras em troca de benesses públicas. Mas a crise atual secou os cofres do Estado e os empresários, com risco real de cadeia, já se mostram reticentes. Ainda que o vácuo político gerado pelas investigações possa abrir espaço para oportunistas, pode também facilitar a entrada de candidatos com bons projetos patrocinados por mecanismos mais democráticos de arrecadação. As novas mídias deverão disseminar informações sobre os candidatos e denunciar aqueles com propostas vazias. Teremos uma chance se os eleitores efetivamente recompensarem um novo e melhor comportamento político. Se não é a certeza, pelo menos é a esperança – e algo pelo qual todos nós podemos lutar nos próximos anos.
Fonte: Estadão, 31/03/2016.
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