Buscando entender o processo de privatização dos aeroportos do governo Dilma Rousseff, o Instituto Millenium entrevistou o professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV), Carlos Pereira.
O especialista em Economia Política e Política Pública analisou a forte presença do Estado no processo de privatização e “abertura” de uma gestão “relativamente conservadora”: “O governo está tentando agradar a dois senhores, com interesses distintos, e talvez esta estratégia tenha sido vencedora porque diminuiu a resistência do movimento sindical. Na verdade, a oposição foi muito pequena, a mobilização organizada pela CUT foi efêmera – e por outro lado sinalizou para o mercado que estaria disposto a passar o controle acionário para a iniciativa privada”.
Instituto Millenium: O Sr. pode explicar um pouco como foi realizado o leilão dos aeroportos?
Carlos Pereira: Diferentemente dos outros processos de privatização durante o governo FHC em que, de certa forma, o Estado não seria um acionista importante, o governo manteve 49% das ações sob seu domínio o que, a meu ver, sinaliza uma tentativa de mandar sinais distintos a suas duas fontes de suporte. Por um lado, como um governo de esquerda, amparado pelo movimento sindical, fundamentalmente contrário a privatização, o processo sinaliza que o governo não abriu mão do controle na sua integralidade.
É ainda um ator que tem poder de veto, mas ao mesmo tempo sinaliza com a privatização para o mercado. O governo está tentando agradar a dois senhores, com interesses distintos, e talvez esta estratégia tenha sido vencedora porque diminui a resistência do movimento sindical. Na verdade, a oposição foi muito baixa, a mobilização organizada pela CUT foi efêmera – e por outro lado sinalizou para o mercado que estaria disposto a passar o controle acionário para a iniciativa privada.
Outra questão é o papel do BNDES, com muito mais ênfase do que no passado. Cerca de 80% dos recursos deste processo de privatização são frutos de empréstimos do BNDES, em que não são cobrados juros do mercado. Existe uma diferença entre os juros cobrados, que hoje estão em torno de 5,5% a 6%. Essa diferença quem paga é o Tesouro, ou seja, o contribuinte. Então, em última instância, por mais que esses fundos venham a pagar o BNDES eles pagarão juros muito inferiores ao que o mercado cobraria.
Imil: Pode-se dizer que esse é um momento no qual cai o grande fantasma das privatizações? Seria a abertura de um processo?
Pereira: Com certeza. Esta é uma sinalização muito positiva. Entretanto, ainda com reservas. Lembre-se que o governo decidiu privatizar aeroportos dado a uma demanda eminente, com os grandes eventos esportivos que o Brasil vai sediar no futuro próximo – este era um gargalo fundamental a ser resolvido – e o Estado, de certa forma, reconheceu a sua incapacidade de lidar com estes dilemas de forma unilateral, que era necessário fazer parcerias, e a privatização foi um movimento correto.
Espero que essa seja uma sinalização para outros setores. Mas isso vai depender muito do próprio sucesso. Se, de repente, os aeroportos não apresentarem eficiência isso vai arrefecer essa estratégia e o ânimo de privatizar outros setores. Entretanto, se essa privatização for considerada no curto e médio prazo um sucesso, não só do ponto de vista da capitalização de recursos, do ágio muito acima do valor inicial estabelecido, mas da satisfação do usuário, que é a principal demanda, a probabilidade de o governo se valer deste sucesso para implementar essa política em outras áreas é grande.
Imil: As privatizações dos aeroportos no Brasil implicam necessariamente no aumento de custos para a população ?
Pereira: Não sei ainda, é muito cedo para dizer. Esse risco existe e com certeza a influência será muito grande dado a quantidade de ações que o governo continuará controlando, vai ser um ator com poder de veto importante. Não sei ainda qual estratégia o governo vai seguir daqui para frente. É preciso esperar um pouco para ver como ele irá se posicionar.
Imil: O Sr. poderia explicar o termo que usou ao falar ao “O Globo”: “limitação ideológica”?
Pereira: Dado o ranço estatista do PT, que percebe o Estado como promotor do desenvolvimento e tem um preconceito com o mercado, o fato de o governo não ter privatizado uma maior parte, não ter permitido que o mercado tivesse uma maior parcela dessas ações sinaliza um conjunto de atores preconceituosos com a política de privatização que parece dizer: “nós ainda controlamos isso”.
É o que eu tento chamar de um “viés ideológico”. Se não houvesse essa limitação talvez o governo pudesse ser um sócio minoritário. Isso sinalizaria para o mercado que o governo estaria disposto a permitir que esses aeroportos fossem de fato geridos com menos interferência, que se dá na medida em que continua sendo um ponto de veto preponderante no jogo. Talvez o ágio, que todos estão celebrando, poderia ter sido até maior se o governo não tivesse preservado 49% do controle. Eu quero apenas destacar, em que pese um governo relativamente conservador, com baixas iniciativas de reforma, este movimento positivo.
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