Sob a Constituição de 1988, as prioridades básicas do orçamento federal se tornaram assistência social (AS) e previdência (Prev), seguidas de saúde e educação. Basta comparar o peso dos dois primeiros itens no gasto federal em 2015 com o que ocorria um pouco antes de 1988. Considerando os benefícios de um salário mínimo (SM) pagos pelo INSS no primeiro grupo, o peso do item AS teria passado de 3% para 25% (mais de oito vezes de aumento) e o de Prev, de 13% para 23% (quase duas vezes).
Dadas as regras legais concessivas que definem sua expansão, AS e Prev crescem a taxas elevadas independentemente da evolução da receita, algo obviamente insustentável. Mesmo assim, ao carimbar uma parcela significativa das receitas para ser usada apenas em AS e Prev, criando algo novo dentro do quadro geral, os constituintes foram mais longe. Acabaram montando um grande cobertor financeiro, ainda hoje mais amplo que os gastos nesses segmentos, que materializa, à distância, a garantia de que não faltarão recursos para as prioridades máximas. Só que, conforme estudo que fiz com colegas em 2012 no âmbito do Fórum Nacional (www.inae.org.br), sem reforma das regras em vigor, os gastos em AS e Prev, turbinados por projeções demográficas desfavoráveis, dobrarão em porcentagem do PIB até 2040, algo que o suborçamento específico não mais poderá cobrir. Nesta hora, só a volta da hiperinflação daria conta do recado.
Os pesos de educação e saúde se mantiveram mais ou menos inalterados de 1987 para cá, o que não é pouco numa situação em que o gasto total simplesmente explode ao longo dos anos e a fatia dos investimentos – basicamente em infraestrutura – cai de 16% para 3%, um dos fatores básicos explicativos, aliás, da trava que se colocou sobre as perspectivas de crescimento econômico do país. Para os gastos mínimos em educação e saúde existe a vinculação a uma parcela das receitas, que deveria frear o crescimento das despesas ao menos no sentido de não ultrapassar o das receitas específicas. Só que a força política da área fez com que o gasto venha superando mais e mais a disponibilidade de receitas.
Além de manter o pé no acelerador dos gastos prioritários acima mencionados, a grande novidade do governo Dilma foi introduzir outras despesas obrigatórias de peso no orçamento federal, onde antes não havia algo do tipo. Trata-se dos subsídios financeiros e creditícios via bancos oficiais e os gastos associados ao programa Minha Casa, Minha Vida, entre outros, totalizando 14,4% das despesas de 2015.
Não foi ainda possível destacar no levantamento dos gastos prioritários ou obrigatórios acima citados os dados dos poderes autônomos (Legislativo, Judiciário, Ministério Público e TCU), a quem a mesma Constituição conferiu autonomia administrativa e financeira. Enquanto isso não é possível, e fazendo referência agora não mais ao total do gasto, mas à receita corrente líquida (RCL) observada em 2015, verifica-se que o chefe do Poder Executivo dispõe de uma margem muito estreita para pagar os aposentados e pensionistas da União e gerir as finanças dos ministérios desprotegidos por esquemas especiais de proteção financeira. Daí a forte tendência à geração de déficits orçamentários.
Para os segmentos, digamos, privilegiados (assistência, Previdência, educação, saúde e outras despesas obrigatórias), o subtotal dos gastos considerados até agora alcançou a marca chocante de 84% da RCL, sobrando apenas 16% do total para bancar os demais. Estes seriam: inativos e pensionistas (10% da RCL); pessoal ativo, exceto educação e saúde (9%); investimento mínimo (3%); e outros gastos correntes discricionários mínimos (6%). Não é por outra razão que o déficit de 2015 alcançou a cifra impressionante de 12% da RCL (algo ao redor de R$ 116 bilhões). Na sessão de 15 de setembro do Fórum Nacional (veja o mesmo site), tentarei comparar o que me parece ser a saída do imbróglio atual com o que o governo está propondo para resolvê-lo, incluindo no bolo o problema estadual.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 8 de setembro de 2016.
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