Cresce o número de brasileiros correndo atrás de um diploma de graduação internacional. Ano passado, dos 246,4 mil estudantes que deixaram o país para fazer cursos no exterior, 25,5% deles, ou 62.832, ingressaram em uma instituição de ensino superior — uma alta de 50% em relação a 2015, quando 41.800 foram buscar um canudo lá fora. Há dois anos, eles representavam uma fatia de 19% dos 220 mil que foram estudar em outros países, segundo a Brazilian Educational & Travel Association (Belta), que reúne as agências de programas educacionais no exterior.
Esse salto, afirmam especialistas, está fortemente ligado a um esforço para obter formação profissional e acadêmica mais ampla e adequada a um mercado de trabalho globalizado. Também pesa o desejo de uma melhor qualidade de vida da parte de quem convive com a recessão e a violência. No entanto, a maior parte dos estudantes, segundo a Belta, tem planos de retornar ao Brasil.
— A procura mudou. Antes, os brasileiros buscavam cursos de idiomas. Agora, a viagem de estudos é pensada como investimento direcionado à formação profissional, atento às oportunidades no futuro. A família brasileira começa a perceber que pode preparar os filhos para ter uma carreira em qualquer parte do mundo — diz Ana Beatriz Faulhaber, coordenadora regional da Belta no Rio de Janeiro.
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Essa expansão resulta de um conjunto de fatores, desde os avanços anteriores à crise ao impacto negativo da recessão, avalia Paulo Presse, da Hoper Consultoria.
— Estudar no exterior traz um diferencial em qualificação e status. Nos recentes anos de expansão econômica, tivemos um maior número de escolas de educação básica de maior qualidade, muitas delas bilíngues, a reboque do crescimento da classe média. Esses estudantes estão concluindo o ensino médio, dominam um ou mais idiomas estrangeiros e estão sensibilizados sobre oportunidades no exterior. De outro lado, a crise faz as famílias buscarem alternativas em qualidade de vida, segurança. E a situação do ensino superior no Brasil, com as universidades públicas em dificuldades e o Enem mais concorrido, pesa na decisão.
O custo dos programas e cursos, porém, faz com que a demanda se concentre em estudantes da classe A. Nos Estados Unidos, um curso de graduação custa, em média, US$ 30 mil anuais, sem contar as despesas com moradia, alimentação e transporte. Isso equivale a R$ 93.700, ou um gasto mensal de R$ 7.808. O valor médio da mensalidade nas instituições de ensino superior da rede privada no Brasil está em R$ 779, num recuo de 3% ante 2016, diz a Hoper. Mas Edson Nunes, coordenador do Observatório Universitário, ressalta que, em uma universidade de excelência no Brasil, a mensalidade não sai por menos do equivalente a US$ 1 mil.
O grupo dos que vão estudar no exterior ainda é uma parcela muito pequena do já reduzido universo de brasileiros que chegam ao ensino superior. No Brasil, apenas 15% das pessoas com 25 a 64 anos concluíram o ensino superior, de acordo com o “Education at a Glance 2017”, estudo anual da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado semana passada. Esse desempenho está bem abaixo da média da OCDE, de 37%, e de outros países latino-americanos, como Argentina (21%), Chile (22%) e Colômbia (22%).
Dos brasileiros que cursam universidade, somente 0,5% estão fora do país. A média da OCDE é de 6%.
Com a demanda maior, escolas de ensino médio já preparam alunos para uma graduação internacional. E surgem empresas especializadas em orientação educacional focadas em ensino superior lá fora, além de serviços e produtos para esse estudante. Além disso, desde 2014 as universidades portuguesas usam o Enem para a seleção de estudantes brasileiros: já há 24 instituições conveniadas.
O Ministério da Educação não tem dados sobre graduandos brasileiros no exterior. O Censo da Educação Superior, com dados de 2016, mostra que o número de matrículas ficou estável em 2016, com alta de apenas 0,2%. No segmento privado, que concentra 88% das entidades, houve recuo de 0,2%; na rede pública, aumento de 1,9%. O movimento é creditado à recessão, que reduziu o financiamento educacional e a renda disponível para bancar a formação superior devido ao desemprego e à incerteza no mercado de trabalho.
Possível perda de cérebros no Brasil
A carioca Thaís Costa, de 24 anos, se prepara para estudar design de interiores ou obter uma formação na área de eventos nos Estados Unidos. Ela chegou a cursar marketing e, depois, publicidade e propaganda em faculdades particulares no Rio, mas interrompeu os estudos por causa de um tratamento de saúde. Nesse meio tempo, um curso na área de moda despertou a paixão pelo design de interiores.
— Estou me preparando para começar o curso em agosto de 2018. Quero aliar o aprimoramento do inglês, o que descobri ser possível, à qualificação. Para fazer isso, optei por escolher um community college, que tem ainda a vantagem de custar menos. A formação é de dois anos e oferece a opção de transferência para uma faculdade ou universidade depois — conta Thaís.
Daniela Ronchetti Perkins, diretora das feiras EduExpo e EduCanadá, que acontecem no próximo fim de semana em São Paulo e na semana seguinte no Rio, sustenta que há opções para viabilizar os estudos fora do país:
— Uma opção interessante para quem quer fazer graduação nos EUA, por exemplo, é fazer os dois primeiros anos em um community college, com formação com disciplinas que são pré-requisito por áreas do conhecimento e, depois, transferir-se para uma faculdade ou universidade.
O número de brasileiros estudando nos Estados Unidos foi de 13.286 em 2014, 23.675 em 2015 e 19.370 em 2016, segundo o EducationUSA. A redução de 18,2% no envio total de alunos no último ano é creditada à crise, explica Ana Beatriz. Ao recortar os números, contudo, vê-se um avanço de 1,7% na procura por cursos de graduação e de 4,8% pelos de pós-graduação.
Dificuldade para ficar lá fora
Os estudos de Thaís serão custeados pelos pais, conta ela, que trabalha no negócio da família para juntar recursos para o dia a dia nos EUA:
— Acredito que, depois, será mais fácil avançar na minha formação estando nos EUA. Se ao concluir os estudos tiver chance de ficar lá, ficarei.
Como Thaís, outros estudantes embarcam com o sonho de se estabelecer lá fora após receber o diploma, o que acende o alerta para o risco de uma evasão de talentos no futuro.
Para Edson Nunes, ex-presidente do Conselho Nacional de Educação e coordenador do Observatório Universitário, a questão tem vários lados. Ele considera a maior procura por graduação internacional um bom sinal:
— É um fenômeno bem-vindo. Pode colaborar para a reforma do currículo das universidades brasileiras, com ensino voltado para as profissões regulamentadas, sem uma formação geral inicial. Mostra que há pessoas com a cabeça mais aberta — argumenta.
Mas há alguns poréns a serem considerados, afirma Nunes, como a dificuldade para revalidar o diploma ao voltar ao país. Em cursos como o de medicina, por exemplo, o processo é difícil, longo e custoso, diz.
— Nunca tivemos evasão de cérebros no Brasil. Mas a miséria das universidades federais, a burocracia para se trabalhar no setor público e o cerceamento à produção acadêmica e científica podem estimular as pessoas a estudarem lá fora e quererem deixar o país — afirma Nunes. — Mas ir e voltar é positivo sempre. Traz ganhos ao estudante, às famílias, à sociedade.
Gabriela Davies e Linnea Rading, da Alma Mater, empresa especializada em auxiliar estudantes interessados em cursar ensino superior fora do Brasil, frisam que não se deve ver na universidade uma garantia de permanência no país.
— Uma coisa não garante a outra. O visto de trabalho é difícil, e países como Reino Unido e EUA vêm tornando suas políticas de imigração mais rígidas. Mas é verdade que, com a atual situação do Brasil, há pessoas procurando alternativas. A maioria, porém, quer voltar — diz Gabriela.
A empresa ajuda na seleção de universidades com o perfil desejado pelo estudante, na condução do processo de candidatura de dez a 15 instituições de ensino, entre outros serviços, por um prazo de dois anos. O pacote sai a R$ 19.400.
— É preciso antecedência e planejamento para estudar lá fora. Além do custo e das exigências acadêmicas, é preciso certificação no idioma estrangeiro. Muitas universidades exigem experiências prévias em outras áreas, como trabalho comunitário, social e de liderança — explica Gabriela, frisando que as oportunidades de bolsa existem, mas estão condicionadas ao alto desempenho acadêmico ou a habilidades específicas.
As escolas brasileiras, principalmente as bilíngues, já orientam seus alunos sobre como ingressar em cursos internacionais:
— Ajudamos nas escolhas. Dependendo da área, é melhor fazer a graduação aqui e, depois, uma pós no exterior. É um desejo crescente dos adolescentes e das famílias. Para preparar o aluno, não basta ensinar inglês, mas aprender outros conteúdos em inglês. Também oferecemos oportunidades em voluntariado e protagonismo — diz Isis Aquino, coordenadora do programa internacional da Escola Eleva, em Botafogo.
A atual turma do primeiro ano, que está abrindo o ciclo do ensino médio na instituição, tem 70 alunos. E 60% dizem querer estudar lá fora, conta Isis.
Henrique Bikner da Silva, de 18 anos, aluno do Colégio Cruzeiro, no Centro do Rio, quer estudar engenharia mecânica. Ele está no programa StudieKolleg, preparatório para o ingresso em universidades da Alemanha.
— Estou tentando quatro universidades alemãs, mas também vou prestar todos os vestibulares aqui, para não desperdiçar nenhuma oportunidade — conta Henrique. — Ficou claro que é viável. Pretendo morar lá fora definitivamente, mas não necessariamente na Alemanha.
O preparatório do Cruzeiro teve sete inscritos em 2017. Para o ciclo de 2018, já são 39.
— Temos convênios com essas universidades e, ainda que não sejamos uma escola bilíngue, nossos alunos têm uma imersão muito grande na língua alemã e fluência suficiente para acompanhar uma graduação — explica Marcos Schuppe, um dos coordenadores do Cruzeiro.
Escolas bilíngues estrangeiras, como a Americana e a Britânica, saem na frente. Na primeira, 33 dos 36 alunos da última turma no terceiro ano do ensino médio foram fazer graduação fora. Nas duas instituições, os alunos têm orientação e atividades para complementar o currículo.
Mudança e seguros
A demanda pelo diploma internacional ainda estimula serviços em outras áreas. A Fink Mobility, de logística, criou a SimpliFink, em parceira com a Arpex BR. É solução para que brasileiros indo estudar lá fora possam levar uma pequena mudança. Há três tamanhos predefinidos de caixas, com serviço porta a porta. Entre Rio e Toronto, no Canadá, por exemplo, o preço varia de US$ 1.700 a US$ 2.700.
A seguradora Allianz também observou expansão na demanda por seguro de viagem para estudantes. De janeiro a abril, esse tipo de apólice foi o segundo na lista de cobertura de maior crescimento no país, segundo Mário de Almeida, gerente de marketing da empresa, citando dados da Susep.
Fonte: “O Globo”.
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