Há alguns anos, vi um filme de Zhang Yimou, um cineasta chinês, sobre uma jovem de 13 anos visivelmente despreparada para ensinar que, numa licença do único professor de uma escola primária numa aldeia rural, teve que assumir a turma. Ela recebe a missão de assegurar que todos os alunos continuem na escola e leva isso ao pé da letra, fazendo de tudo para que ninguém abandone os estudos. O filme recebeu no Brasil o nome de “Nenhum a menos”.
Evasão escolar
Lembrei-me do filme quando assumi a Secretaria Municipal de Educação do Rio e constatei que o índice de evasão escolar em escolas em áreas de conflito era o dobro do resto da rede. Aos poucos fui vendo também que, numa cidade que recebia muitos migrantes, diversas crianças retardavam a entrada na escola ou simplesmente não se matriculavam.
Os desafios da rede eram imensos, muitos associados à baixa aprendizagem dos alunos, mas precisávamos também ir atrás de quem não estava matriculado. A missão de uma secretaria não pode ser apenas voltada a quem já está nos bancos escolares. Como já escrevi aqui anteriormente, todos quer dizer todos!
Junto com o Associação Cidade Escola Aprendiz, fomos buscar recursos para um processo de busca ativa desses alunos e desenhamos um projeto que incluía não apenas trazer as crianças de volta à escola, mas, sobretudo, garantir que elas lá continuassem.
Um diagnóstico preliminar estimava em 24 mil o número de crianças e jovens nessa situação, cerca de 3,1% da faixa etária em idade escolar. Muitos já haviam frequentado a escola e abandonado, outros eram migrantes ou crianças com deficiência.
Acesso à educação e apoio da comunidade
Hoje observo feliz o resultado de três anos de trabalho. Cerca de 21 mil crianças e jovens foram matriculados nas escolas, numa estratégia que buscou uma inserção com chances de sucesso e apoio da comunidade. Nem tudo deu certo, mas os números são promissores e mostram que é possível garantir acesso à educação a todos.
E qual o perfil dos hoje 124 milhões de crianças e jovens no mundo que não estão estudando? Trata-se de um aluno que já frequentou a escola e abandonou (por desinteresse, trabalho, ou por ter de cuidar de irmãos mais jovens), de crianças e jovens com deficiência, migrantes, refugiados e jovens de grupos étnicos desfavorecidos ou em regiões de conflito e, nos países em que existem restrições culturais ou de infraestrutura de acesso à educação, meninas.
Em muitos países, inclusive no Brasil, jovens que engravidam também tendem a abandonar a escola. Todos eles têm direito de estudar e cabe ao Estado buscá-los onde estejam, apoiar a escola para bem recebê-los e garantir que não haja nenhum a menos!
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 25 de novembro de 2016.
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