Tendo na origem a explosão dos déficits previdenciários num quadro altamente recessivo, a crise estadual está de volta às manchetes. Entre 2006 e 2011, esses déficits oscilavam ao redor de R$ 24,3 bilhões/ano. Depois, passaram a subir veloz e seguidamente, até atingir R$ 101,9 bilhões em 2018.
Daí acentuou-se a antiga tendência à queda dos investimentos subnacionais, item sempre escolhido para capitanear os esforços de ajuste, passando em 2017, e em porcentagem do PIB, a um terço do que alcançavam nos anos 60.
Por trás disso está a extrema rigidez orçamentária, algo que, em fases como a atual, leva a “Déficits Orçamentários” totais elevados, desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e uma enorme confusão no seio dos fornecedores e prestadores de serviço aos governos, que, mais do que os servidores, param de receber seus pagamentos.
Se tomarmos o caso de Minas Gerais, esse Estado, na contramão do ajuste, acaba de propor reajuste salarial na área de Segurança Pública, levando a pressões idênticas em áreas tão pesadas como Educação. Em Minas, o balanço de 2015 revelara, primeiro, uma estrutura de gastos em porcentagem da Receita Corrente Líquida (RCL) concentrada em segmentos que costumo chamar de “donos do orçamento”: 1) Educação: 16,4%; 2) Segurança: 15,7%; 3) Poderes Autônomos: 11,3%; 4) Saúde: 9,3%; 5) Demais Vinculações: 1,4%. Trata-se de itens financiados com receitas cativas e com alto componente de gastos com pessoal ativo, somando 54,1% – soma esta que subiria para 64,8%, se adicionássemos o rígido serviço da dívida de 10,7% do total.
Ao final, uma sobra de recursos de 35,2% foi chamada para cobrir o espremido gasto discricionário de apenas 21,2% do total, adicionando, ainda, receitas de capital mínimas, e onde os investimentos são de apenas 3,2% da RCL, ficando somente uma parcela residual de 14% para pagar a despesa previdenciária. Como esta alcançou 28%, surgiu um Déficit Orçamentário de idêntico valor: 14% da RCL. Dessa forma, com receita abaixo do normal e o orçamento tomado por “donos”, cujo peso só cresce, parte significativa das despesas é autorizada nos orçamentos, mas não se materializa em desembolsos de caixa, virando “atrasos” e causando todo tipo de complicação, especialmente para fornecedores.
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Assim, mais de R$ 70 bilhões de atrasados foram transferidos para os mandatos estaduais que se iniciaram em 2018, sem que, por mais que denunciassem esses fatos às respectivas Assembleias, os órgãos de fiscalização, ao contrário do que se imagina, tivessem força para resolver tais problemas. Pior que isso, conforme projeções informadas pelos próprios entes ao Tesouro Nacional, a situação financeira dos Estados tenderia a se deteriorar ainda mais em 2019 e em 2020.
(Outro Estado em desespero é o de Goiás, cujo governador acaba de afirmar que o seu Plano B “é fechar para liquidação”…)
Para o conjunto dos Estados, as necessidades de financiamento do orçamento de 2019 foram inicialmente estimadas em R$ 30,6 bilhões, sem falar em atrasados herdados. Caso os Estados fossem todos incluídos na reforma previdenciária em curso, teriam um alívio financeiro estimado em R$ 13,1 bilhões para o primeiro ano de sua vigência, o que certamente ajudaria muito a minorar suas dificuldades financeiras, principalmente quando se considera que o impacto médio nos dez primeiros anos de vigência das novas regras é de R$ 35 bilhões.
O único plano de socorro federal em vigor (PRF), que vem sendo aplicado ainda sem sucesso ao Rio de Janeiro e se cogita para Minas Gerais, empresta mais dinheiro para refinanciar dívidas, com contrapartida de privatizações e ajuste do gasto com o pessoal ativo difíceis de implementar. Não passa de alívio de curto prazo, sem ir ao âmago da questão. Para isso, é preciso definir planos de equacionamento dos passivos atuariais mais eficazes que os existentes, algo hoje já previsto na Constituição e com prazo mínimo para acontecer sob punições, única forma de retirar os déficits previdenciários dos orçamentos e voltar a investir.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 13/2/2020