A delação da JBS elevou bastante o nível de entropia política no país. Da permanência do status quo à realização de eleições diretas, tudo parece estar sobre a mesa. No meio tempo, há veículos de comunicação pedindo a cabeça do presidente, outros apontando uma guerra surda entre o Ministério Público e o Judiciário contra a classe política etc. Não se sabe como a crise terminará, nem quando, nem se ela vai se agravar ainda mais.
A crise política impactou a economia e esse impacto aumentará se a crise durar muito ou se ela se agravar. O choque político elevou a incerteza sobre o cenário econômico e levou a uma forte queda no preço dos ativos brasileiros mais líquidos, como o real, os títulos públicos e as ações, notadamente nos dias seguintes à divulgação da delação.
O principal canal de contaminação da crise sobre a economia é o futuro das reformas; em especial, mas não só, a da previdência. Sem esta será impossível tirar a dívida pública da sua trajetória explosiva, o que fará o governo dar um calote nas suas obrigações, com credores, aposentados, funcionários etc. O caminho menos tortuoso para esse calote é alta da inflação. Naturalmente quem pode vai tentar escapar antes, o que levará à fuga de capitais e a uma crise pior do que a atual. Dá para entender a preocupação.
Ainda que o canal principal, esse não é o único. Outro que suscitou grande discussão no Ibre diz respeito à política monetária: a crise deve atrasar e reduzir o ciclo de cortes da taxa Selic ou, pelo contrário, levar essa taxa a um patamar final ainda mais baixo?
Respeitando a regra de não atribuição, não vou citar nomes, mas uma síntese das duas posições é a seguinte.
Quem defende a segunda posição argumenta essencialmente que o aumento da incerteza e a desvalorização dos ativos têm impacto contracionista, colocando em risco a modesta recuperação da economia e a expectativa de melhora do mercado de trabalho.
A confiança de consumidores e empresas vai cair e o crédito ficar mais caro e escasso, enquanto o atraso nas reformas exigirá um aperto fiscal. Isso vai penalizar o investimento e o consumo, das famílias e do governo, atrasando a retomada da demanda doméstica, que nos primeiros três meses de 2017 registrou sua décima quarta queda trimestral consecutiva.
Isso deve reduzir a inflação e, portanto, abrir mais espaço para a redução dos juros, especialmente em um quadro de alta credibilidade do Banco Central (BC), e inflação e expectativas já na meta, ou um pouco abaixo. Além disso, o cenário externo benigno e a sólida posição das contas externas — pequeno déficit em conta corrente, mais que coberto pelas entradas de investimento direto, e elevadas reservas — limitam o espaço para grandes desvalorizações do câmbio.
Quem está na posição oposta tem basicamente três argumentos. Primeiro, o choque político é inflacionário, não apenas pelo seu efeito sobre o câmbio, como por poder contaminar as expectativas de inflação. Segundo, o que moveu a inflação para baixo e pode mantê-la aí é a credibilidade do BC, muito mais do que um hiato de produto elevado. Prova disso seria o que se viu em 2015 e começo de 2016, quando a forte contração do PIB não impediu que a inflação fosse alta. E a credibilidade do BC seria comprometida se ele reduzir muito os juros e depois for obrigado a elevá-los. Por fim, há a visão de que o choque político, pelo seu impacto no trâmite das reformas, elevou o juro neutro.
A história parece se alinhar a esta segunda posição: nos choques de 1995, 1998-99, 2001 e 2003, por exemplo, o BC reagiu ao aumento da incerteza apertando a política monetária. Porém, na crise de 2008-09 a reação do BC foi no sentido de reduzir os juros. Infelizmente, não é possível fazer um paralelo imediato entre essas crises e a atual. De um lado, a situação das contas e do cenário externo, como dito acima, é muito mais favorável do que em qualquer desses outros choques. O hiato do produto e a taxa de desemprego também são bem mais elevadas. Por outro lado, a situação fiscal é mais complicada, especialmente do que em 2009.
No Ibre, os dois lados convergiram na visão de que, na reunião do Copom que terminou na quarta, o BC se preocuparia em não “fazer marola” e que por isso cortaria a Selic em cem pontos base, como acabou ocorrendo, e não em 50 a 75 pontos base, como o mercado apostava logo após a divulgação da delação da JBS.
O comunicado pós-Copom, porém, parece alinhar o BC com o lado que vê o choque como um limitador do afrouxamento monetário. Não apenas por sinalizar que o corte de juros será menor na próxima reunião, como também ao indicar que, apesar de contracionista, o choque político é suficientemente inflacionário para ter elevado a taxa de juros estrutural da economia brasileira.
Já o mercado parece bem mais otimista. De um lado, vê-se que o dólar e o risco país (CDS 5 anos) fecharam maio apenas 3,6% e 13 pontos base acima da média dos três meses anteriores à divulgação da delação da JBS, respectivamente. E parecem seguir em queda. Além disso, as expectativas para PIB, inflação e a Selic praticamente não se moveram desde então.
Quem está certo, afinal? O tempo dirá.
Fonte: “Valor econômico”, 2 de junho de 2017.
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