Você pode não se lembrar mas nas reformas políticas de 2015, 2017 e 2019 o Brasil discutiu muito sobre um sistema eleitoral chamado Distritão. Nestas oportunidades ele era comparado com o atual sistema (o Proporcional em lista aberta), e com o Voto Distrital misto e outros sistemas. Depois de muito debate, o povo brasileiro pressionou o Congresso a não levar adiante o Distritão. Infelizmente, tal qual um zumbi dos filmes de terror, esse sistema eleitoral é considerado ruim praticamente todos os especialistas e estudiosos do tema, mas sempre teima em voltar à pauta.
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Em 2021, o Distritão voltou com força e está no relatório da Reforma Política trazendo uma jabuticaba consigo: o Distritão Misto, que não resolve os problemas do país, mas faz um bom trabalho de se disfarçar de Distrital Misto, um sistema com amplo apoio no congresso e na sociedade.
Porque o Distritão voltou desta vez? Pode ser por conta da velocidade com que a discussão da Reforma Política foi levada no Congresso. Pode ser por conta do excesso de atenção à discussão do voto impresso que nos fez perder de vista esse sistema que é conhecido por ser usado no Afeganistão. Ou talvez pode ser porque diferentemente de 2015 e 2017 não houve muita discussão entre os parlamentares e a sociedade civil.
Para simplificar a discussão e ajudar nossos parlamentares entenderem por que o Distritão foi enterrado nas últimas duas reformas, ao invés de discutir as suas desvantagens, vamos entender como essa mudança afetaria alguns atores políticos.
Pagador de Impostos e Financiadores de Campanha: Como no Distritão a disputa deixa de ser entre partidos e ocorre em todo o território estadual, aumenta a concorrência e são favorecidos aqueles que tiverem mais recursos para fazer campanha no estado inteiro. Como o principal mecanismo de financiamento de campanha são o Fundo Eleitoral e o Fundo Partidário, a tendência é que sempre se aumente os recursos. Essa conta é paga por todos os brasileiros.
Partidos políticos: Como cada candidato faz uma disputa “cada um por si”, a capacidade de coesão dos partidos é prejudicada. Não há razão para manterem pessoas que pensam entre si, a campanha de um candidato não afeta a do outro. Assim, devem favorecer cada vez mais em puxadores de votos e caciques que tem chance de serem os mais bem votados, independente de alinhamento ideológico. Depois das eleições terão grande dificuldade de organizar bancadas devido a falta de alinhamento ideológico entre os filiados, piorando um problema que hoje já ocorre e prejudica a formação de maioria e governabilidade no Congresso.
Candidatos/Eleitores concentrados em uma região: Os candidatos que tiverem eleitores concentrado em uma cidade ou região precisarão gastar mais dinheiro para fazer campanha no estado inteiro, pois os concorrentes (do mesmo partido ou de outros partidos) farão campanhas no estado inteiro. Isso encarece campanhas e desincentiva o fortalecimento de laços entre o eleitor e o candidato/político. Todos os candidatos deputados eleitos representarão o estado inteiro e ninguém representará uma região específica.
Candidatos com pouco recurso ou de minoria: No Distritão como todos competem com todos no estado inteiro, as eleições tendem a ser mais caras e mais difíceis para candidatos sem estruturas eleitorais grandes e presença em todo o estado. Candidatos que não tiverem dinheiro próprio vão depender de transferências do Fundo Partidário e Fundo Eleitoral ou de um patrimônio próprio para ter chances. Ainda, o sistema joga candidatos de minorias uns contra os outros, pois um candidato de minoria com mais votos do que o necessário para se eleger está efetivamente retirando votos de outro que teria chance.
Candidatos/Eleitores em busca de renovação: Por encarecer as campanhas, o Distritão coloca mais importância no Fundo Partidário e Fundo Eleitoral, reduzindo as chances de candidatos que não tenham bom relacionamento com as direções partidárias que distribuem os Fundos. A renovação ficará comprometida pois candidatos com mais experiência, estrutura e fornecedores testados sempre terão vantagem em fazer uma campanha no estado inteiro do que candidatos de primeira viagem, que tendem a ter voto regionalizado ou segmentado.
Eleitores engajados: Como hoje, os eleitores que quiserem fazer a cobrança do seu deputado, depois de eleito, terão de cobrar todos os deputados do seu estado, pois nenhum o representa especificamente. Ainda, como o eleitoral é o estado inteiro a cobrança de um eleitor não terá peso para o deputado, que pode sempre procurar votos em outra região na próxima eleição, caso tenha feito algo prejudicial para uma região ou segmento específico.
Enfim, se esse sistema eleitoral é prejudicial a tanta gente, para que serve o Distritão? Primeiramente ele serve influenciadores e puxadores de votos em detrimento de candidatos que tenham votação regionalizada ou segmentada. Também – e talvez mais importante –, ele serve para fortalecer os caciques partidários que distribuem o Fundo Eleitoral e o Fundo Partidário, desobrigando-os a ter coerência ideológica na escolha dos candidatos e das chapas e permitindo que controlem eleições despejando dinheiro nos seus candidatos favoritos. Por fim, e daí vale ressaltar o único benefício do Distritão, ele serve para simplificar a eleição: quem tem mais voto ganha e não se discute. Mas tendo em vista que esse benefício é o mesmo do Distrital, só que sem a vantagem de aproximar o eleitor do candidato, fica fácil entender por que a discussão foi rápida e sem participação da sociedade. Na velocidade, alguns confundem Distrital com Distritão, outros nem reparam que a discussão está acontecendo.
Vai que cola…
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