O fomento do Estado é bem-vindo, se adequado e relevante, mas não pode se basear em paternalismo, que subordina o cidadão. Só o cidadão autônomo chega aonde aspira
A situação do Rio chegou ao limite, é incontestável. Há uma sensação difusa de que não há o que fazer. A cidade e o estado estão cada vez mais degradados. Roubaram dos fluminenses a esperança, somos vítimas da violência, da corrupção e da falta de governança. O difícil é não desanimar, porque as perspectivas não apontam soluções claras. A incerteza e a frustração são os sentimentos que nos unem.
Passei os últimos anos envolvido em projetos que procuravam embasar o desenho de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento com equidade. Nenhum diagnóstico apresentou um quadro tão sombrio quanto o atual.
Não há inovação em política pública, nem institucional, gerada individualmente, há de ser concebida por diferentes visões, de identidades distintas e complementares. Só a diversidade produz o novo.
É, então, hora de ampliar o debate sobre o Rio, para agregar diferentes.
É preciso que o carioca e os fluminenses contribuam de forma mais ampla para discussões práticas de como, juntos, podemos propor soluções capazes de melhorar o Rio de Janeiro e o Brasil. Dos governos do estado e, pelo menos, da cidade do Rio de Janeiro, não se espera mais muita coisa.
Discutir de forma prática o Rio é, a partir do olhar sobre as cidades, a Região Metropolitana e o estado, examinar a qualidade do uso do dinheiro público, analisar ações de governo e do setor privado, mapear demandas, verificar e mensurar carências e lacunas. É monitorar e avaliar investimentos públicos e privados, sobretudo em programas e projetos que são alicerces do futuro, como, por exemplo, educação, trabalho, desenvolvimento urbano e infraestrutura. Propor soluções.
Discutir o Rio é entender como, e se, a alocação de recursos públicos e privados minimiza ou aumenta a desigualdade, elimina ou aumenta barreiras ao direito fundamental de empreender, diminui ou aumenta a burocracia, incentiva ou desincentiva a criação de postos de trabalho de qualidade, garante ou expropria liberdades civis, particularmente o direito de ir e vir e acessar a cidade.
O cidadão precisa de autonomia e liberdade para se desenvolver, para seguir sua vocação e conquistar qualidade de vida. O fomento do Estado é bem-vindo, se adequado e relevante, mas não pode se basear em paternalismo, que subordina o cidadão.
Só o cidadão autônomo chega aonde aspira.
É urgente que o Rio e o Brasil se aparelhem para os novos tempos, para a nova maneira de produzir e para o futuro do trabalho. A sociedade, através dos seus representantes, precisa criar um ambiente propício para o desenvolvimento sustentável, com menos pobreza e desigualdade, com oportunidades e liberdade para o cidadão escolher e perseguir suas aspirações. É essencial criar leis que fortaleçam as instituições, contribuam para o desenvolvimento e estabeleçam mecanismos de avaliação, monitoramento e controle, para garantir o equilíbrio entre os poderes e defesa da democracia, dos direitos individuais e das minorias.
O debate amplo é um esforço para redes de cidadãos, com ações de indivíduos, não de coletivos. O Rio precisa resgatar a ideia do debate e da busca de soluções em rede e criar espaço para ideias e o livre pensar.
A proposta é viável porque há redes de pessoas com o desejo de reinventar suas cidades, a metrópole e o estado. Querem transformá-los em territórios mais dignos. As redes certamente se beneficiarão de novas plataformas que amplifiquem a oportunidade de abraçar uma causa em prol principalmente do Rio, mas também do Brasil.
Novas lideranças estão surgindo e a sociedade mais atenta. A população está mais informada e preocupada com os rumos da política. A hora é boa para disseminar novos espaços de discussão, botar a mão na massa, o dedo nas feridas e cobrar, não só das estruturas de governo, mas também dos vizinhos, da sociedade, ações concretas para acabar com o descalabro em que se encontra o Rio.
A crise, ao menos, serviu para que se percebesse o custo que se paga pela indiferença e alienação política e as consequências do radicalismo populista e raivoso.
Fonte: “O Globo”, 27/07/2017
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