À folia do Carnaval se segue a Quaresma, período de penitência que se inicia hoje, na Quarta-feira de Cinzas. À folia da Nova Matriz Macroeconômica se segue o que promete ser a pior recessão brasileira desde que passamos a compilar os dados de produção nacional, há quase 70 anos.
Após queda do PIB da ordem de 3,5% a 4,0% no ano passado, as projeções indicam nova contração de magnitude semelhante em 2016, sem perspectivas, porém, de uma recuperação rápida como em outros episódios.
A presidente pode ter a duvidosa honra de ser o primeiro dirigente do país a entregá-lo ao sucessor menor do que era quando assumiu o governo.
É tentador estender a analogia, ainda que isto requeira trazer a análise mais próxima do campo moral do que economistas normalmente se sentem confortáveis. A crise é punição pelos nossos pecados e a penitência uma condição necessária para a retomada à frente?
Muito embora não tenha grande apreço pela noção de “pecado”, é difícil escapar da conclusão óbvia: muito (não tudo) do que enfrentamos hoje é consequência direta das escolhas equivocadas da política econômica que passou a vigorar no país a partir de 2009 e que ganhou mais força desde 2011.
Pelo lado macro, o descaso com a inflação, o aumento sem precedentes do gasto e as intervenções constantes no mercado de câmbio criaram enormes desequilíbrios: inflação elevada, apesar de controles de preços (preço do dólar incluso), dívida pública crescente e um deficit superior a US$ 100 bilhões nas contas externas. Ainda que keynesianos de quermesse insistam que tal política poderia (e deveria!) ser mantida, é mais que claro que a persistência nessa rota nos levaria a uma crise ainda maior do que a que passamos hoje.
Do lado micro o desastre não foi menor. A intervenção desregrada -desde medidas de fechamento do país à competição internacional até a escolha de “campeões nacionais” baseada em critérios nebulosos, para dizer o mínimo- implicou redução severa do ritmo de crescimento da produtividade, a devastação de alguns setores importantes (como o sucroalcooleiro, petróleo e energia), e criou um forte estímulo à busca de favores governamentais, fenômeno extraordinariamente batizado de “sociedade de meia-entrada”, cujos impactos sobre o crescimento são notoriamente negativos.
Nesse sentido, sim, colhemos o que foi plantado com esmero pelos keynesianos de quermesse, ainda que hoje em dia estes olhem para o lado como se nada tivessem a ver com a política que tanto apoiaram, inclusive durante a eleição de 2014. Se quiserem tirar conclusões morais, sintam-se à vontade.
Isto dito, não há por que imaginar que a penitência (a recessão) haverá de promover necessariamente a redenção.
Não se trata aqui de um problema de “destruição criativa”, ou das dificuldades naturais que enfrenta uma economia em processo de adaptação às mudanças internacionais, mas sim de um país cujo futuro foi hipotecado na forma de promessas impagáveis, das regras previdenciárias aos privilégios de grupos próximos ao poder.
Sem reformas que ataquem esses problemas, a Quaresma há de se estender bem mais do que hoje se imagina. Mais que penitência, precisamos de lideranças que estejam dispostas a mudar o país, senão vai tudo se acabar na quarta-feira.
Fonte: Folha de S. Paulo, 10/02/2016.
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