A McKinsey & Company tornou-se referência na prestação de consultorias à alta gestão de grandes empresas. Ocorre que ela também destrincha virtudes e deficiências dos países, em áreas tão variadas quanto a qualidade da educação e a oferta de água. O Brasil aparece em vários de seus estudos. Segundo o presidente da McKinsey para América Latina, Nicola Calicchio Neto, no que se refere ao crescimento, o diagnóstico não é alentador. “O Brasil praticamente jogou os últimos 50 anos no lixo”, diz. Para retomar o rumo, a prioridade é acelerar ações que elevem a produtividade e, a reboque, adotar valores como a meritocracia: “O empresário de sucesso precisa ser admirado, não levar a comentários como “ahh, esse cara deve ter roubado”. A seguir os principais trecho da entrevista que concedeu a “O Estado de S. Paulo”.
Estado de S. Paulo: O que o Brasil precisa fazer para voltar a crescer após a crise?
Nicola Calicchio Neto: Para ter um bom plano, é preciso um bom diagnóstico. Uma pesquisa mundial recente do MGI (Mckinsey Global Institute) traz um dado muito interessante sobre o Brasil, que passou batido. Essa pesquisa avalia o que ocorreu em vários países nos últimos 50 anos e estima o que pode acontecer nos próximos 50. Detalhe: De 1900 a 1964, o Brasil foi um dos países que mais cresceram no mundo, junto com o Japão. Mas a conclusão é dramática em relação ao período de 1964 a 2014. O Brasil praticamente jogou os últimos 50 anos no lixo.
Estado de S. Paulo: Por que no lixo?
Nicola: Imagine que em 1964 um trabalhador nos Estados Unidos produzia 50 unidades de um produto. Em comparação, o brasileiro produzia 10 unidades – o equivalente a 20% do trabalhador americano. Em 50 anos, o americano dobrou a produtividade. Passou de 50 para 100. O brasileiro dobrou também. Foi de 10 para 20. Eram necessários cinco trabalhadores brasileiros para fazer o mesmo que um americano. Passados 50 anos, continua igual. O que houve na China? O chinês produzia uma unidade do mesmo produto e foi para 20 – aumentou a produtividade 20 vezes. O brasileiro, 2 vezes. Há 50 anos, o brasileiro produzia 10 vezes mais que o chinês. Hoje, a relação é de um para um. Isso tem um impacto enorme sobre o crescimento. Nos últimos 50 anos, o Brasil cresceu 4% ao ano: 1,4% veio da produtividade e 2,6% do aumento da massa trabalhadora, por duas razões. Houve a entrada das mulheres no mercado de trabalho e o “boom” demográfico (aumento elevado e repentino da população). Qual é a péssima notícia? Nos próximos 50 anos, se não tivermos o aumento de 1,4% ao ano na produtividade, vamos crescer apenas 1,7% ao ano – isso porque o efeito da força de trabalho feminina e do “boom” demográfico vai cair para 0,3% ao ano. Dito isso, a única maneira de o Brasil crescer de forma sustentável é aumentando a produtividade. As pessoas falam muito isso, mas o que temos aqui são dados.
Estado de S. Paulo: Nesse período, o Brasil teve inúmeras crises políticas e econômicas, os dados são de longo prazo…
Nicola: É verdade. Em 50 anos acontece muita coisa. Mas perdemos o vento a favor: os 2,6% de crescimento ao ano que vieram do aumento da massa de trabalhadores. Agora não adianta o Brasil apenas estar na direção certa. Precisa aumentar a velocidade. O bônus demográfico (quando o número de jovens em idade produtiva é muito maior que o de velhos) está chegando ao fim. É praticamente impossível virar um país velho e depois ficar rico. Ou a gente fica rico logo ou vamos ter uma dificuldade imensa. Todo mundo quer mais saúde, mais qualidade na educação, trabalhar menos, viver mais e melhor. Mas, para ter tudo isso, é preciso um nível de produção maior, que suporte os benefícios. Não dá para ter os benefícios da Europa com a renda da África. A conta não fecha. O imperativo é acelerar a taxa de crescimento da produtividade.
Estado de S. Paulo: Pode dar exemplo?
Nicola: O modelo de crescimento Brasil foi baseado no aumento do consumo. O investimento em infraestrutura é muito baixo: 17%, 18% do PIB (Produto Interno Bruto). A China tem uma taxa de investimento superior a 40%. O investimento tem efeito multiplicador. Faz o país crescer mais e mais rápido. O Brasil tem uma oportunidade aí. Se aumentar o investimento, vai ter um efeito multiplicador.
Estado de S. Paulo: E como se faz isso?
Nicola: Atraindo capital ou economizando para investir mais. Independentemente de o dinheiro ser público ou privado, nacional ou internacional. A gente precisa investir mais. Ponto. Não dá para escolher este ou aquele dinheiro. Precisamos de diversas fontes. O dinheiro está aí pelo mundo buscando oportunidades. O Brasil precisar criar as oportunidades.
Estado de S. Paulo: O país cria, mas não atrai o suficiente.
Nicola: Aí entra um outro problema: incerteza regulatória. Capital gosta de regras claras e de longo prazo. Se não fizer isso, ou não atrai capital ou atrai a uma taxa mais alta. Como se calcula o retorno sobre o investimento? Tomando como base o risco. Quando tem mais incerteza, tem mais risco. Então, é preciso ter um retorno maior. Por que o mundo está disposto a emprestar para os Estados Unidos a 0, 25% e para o Brasil a 14%? Porque o risco percebido aqui é maior. É preciso reduzir a incerteza no Brasil. A terceira coisa a atacar são as amarras. O Brasil criou muitas.
Estado de S. Paulo: O sr. poderia dar exemplo de amarra?
Nicola: Para fazer um investimento, precisa de uma licença. Para ter a licença, precisa de um projeto aprovado, que precisa da licença. Muitas vezes entra num processo circular. São muitos órgãos, com responsabilidades não tão claras. Um entra no espaço do outro. A gente precisa de uma simplificação da máquina pública. Quarto ponto: carga tributária elevada. O setor público precisa fazer uma dieta. Não estou falando que é fácil. Muitas das alavancas que ajudam na gestão do setor privado não existem no setor público, como a gestão de consequência…
Estado de S. Paulo: O que é gestão de consequência?
Nicola: No setor privado, se eu não estou satisfeito com a sua performance, te dou um retorno. Você não melhora, eu troco. No setor público, eu te dou retorno, você não faz nada e eu também não faço nada. O setor público precisa ser mais eficiente, porque já temos carga tributária alta e investimos pouco. A única forma de sobrar mais para o investimento é gastando menos. Não estou falando em tirar serviços da população. Falo de melhorar a qualidade e a eficiência dos serviços: fazer mais com menos. Isso é produtividade. As empresas privadas fazem o tempo todo.
Estado de S. Paulo: E o quinto ponto?
Nicola: Melhorar a qualificação da mão de obra. É inegável que a educação melhorou no Brasil. Mas o ritmo é tão insuficiente que não dá para falar que estamos melhorando. No ritmo atual, vamos chegar a um nível educacional bom daqui a 50, 70 anos. Sexto item: informalidade. De novo: o Brasil reduziu a informalidade. De novo: a questão é a velocidade disso. As grandes empresas formais, com condição para crescer, têm dificuldades. As informais têm barreiras para crescer porque não aguentam ser formais.
Estado de S. Paulo: Voltamos ao problema das regras?
Nicola: Sim! Precisamos mudar tudo isso para gerar um novo círculo virtuoso. Há um outro tema que é pouco discutido, mas fundamental: o da meritocracia. O debate no Brasil está concentrado em dar direitos para todo mundo, quando a gente precisa discutir como premiar quem faz mais e melhor.
Estado de S. Paulo: O sr. fala em fomentar a meritocracia no setor público ou na cultura nacional?
Nicola: Na cultura nacional. Na escola, o aluno que vai melhor precisa ser admirada, não ser visto como nerd. O empresário de sucesso precisa ser admirado, não levar a comentários como “ahh, esse cara deve ter roubado”. Professor que ensina melhor deve ser premiado financeiramente e ter reconhecimento. A gente precisa despertar nas pessoas, na sociedade brasileira, o desejo de fazer e ser melhor.
Estado de S. Paulo: E as empresas privadas, como estão?
Nicola: As empresas também precisam melhorar a gestão constantemente. Muitas empresas nacionais têm boas tecnologias e metodologias de gestão, mas precisam melhorar.
Estado de S. Paulo: Comparando internacionalmente, como é o nível de gestão das brasileiras?
Nicola: É sempre difícil fazer paralelos pegando pela média. Comparando a empresa A com a B, no Brasil, existe uma dispersão muito grande. Há inúmeras técnicas que não são difundidas e até coisas novas pouco conhecidas. Vou dar dois exemplos simples. A evolução digital é um tema super importante. Vai ter um impacto enorme sobre a produtividade da economia como um todo. No entanto, ainda não está na pauta como precisaria. O big data (sistema de grande armazenamento de dados com maior velocidade). Eu falo em inglês porque nunca vi tradução para este termo, o que indica que nem está na pauta. Com a proliferação da informação, a redução do custo de processamento e de transmissão – essas três coisas juntas – é possível manipular uma imensa base de dados para tomar decisões melhores. Poucas empresas utilizam o big data com eficiência. Se nos colocássemos nessa vanguarda, poderíamos dar saltos de produtividade.
Estado de S. Paulo: Esta não é uma lista de novos temas, mas o Brasil não avança. Por quê?
Nicola: Tenho dúvidas se a população tem tanta consciência sobre este diagnóstico claro e o caminho a seguir. Precisamos estabelecer prioridades nacionais. A prioridade número um, para o Brasil crescer de forma acelerada e sustentável, é fazer um aumento dramático de produtividade. Quando todos tivermos consciência disso, como sociedade, a gente faz.
Estado de S. Paulo: Qual o caminho para alcançar isso?
Nicola: O caminho é ter em mente que até pode ser popular dizer “vamos dar benefícios para diferentes grupos da sociedade”. Ah, esse grupo merece: dá. Esse grupo também: equipara. Tem uma lógica do direito adquirido no Brasil que é perversa. E qual é a obrigação adquirida? Aqui, o direito é sempre para mais e o dever, para menos. A conta nunca fecha. Tem um estudo recente, do economista Marcos Lisboa, “Ajuste inevitável”, (também assinado pelos pesquisadores Mansueto Almeida e Samuel Pessôa) mostrando que é preciso criar uma nova CPMF a cada quatro anos para cobrir direitos adquiridos. Cada um consegue o seu, mas, no todo, perdemos. A narrativa precisa ficar clara: temos de elevar a produtividade atacando as questões que mencionei.
Estado de S. Paulo: Por tudo que foi falado, na corrida pelo crescimento no século 21, o Brasil hoje é um país atrasado?
Nicola: Atrasado, não sei, mas com certeza não é o mais proeminente. Nós não estamos capturando o nosso imenso potencial para ter um desenvolvimento maior e mais acelerado. O Brasil é democrático, tem recursos naturais abundantes, uma população com massa crítica e até ajuda divina – Deus é brasileiro. Deveríamos estar muito melhores. Mas estamos vivendo em berço esplêndido. Temos de ir à luta.
Estado de S. Paulo: Algum país, que esteve na situação do Brasil hoje, deu a volta por cima?
Nicola: Analogias são difíceis. Você fala e alguém diz: mas este país é menor, este é uma ditadura, este aqui está em outro hemisfério. Verdade. Cada país tem um contexto. Mas vários países com problemas estão crescendo rapidamente. Na África, Nigéria e África do Sul. Na Ásia, Cingapura. Quer melhor? Estados Unidos, uma economia madura, cresce mais que o Brasil. Não dá para aceitar isso. Para tudo! Vamos ver o que fazer para mudar.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 23/8/2015
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