Recentemente, foram divulgadas ocorrências de graves irregularidades no Daer, até porque sempre que se fala em “irregularidades” o substantivo tem de vir acompanhado de adjetivo “grave”, da mesma forma que o “inquérito” terá de ser “rigoroso”.
Não é de hoje minha implicância com esse hábito. Vai para meio século, sendo eu secretário do Interior e Justiça, tive de determinar a abertura de inquérito administrativo para apurar fato ligado à Junta Comercial. No ato, recomendava que a investigação se consumasse no menor prazo possível mediante a observação pontual dos prazos, a começar pelos da defesa, mas também os da autoridade e por fim, o inquérito não deveria ser “rigoroso”, nem poderia ser “leniente”; no interesse das pessoas envolvidas, como da administração, o inquérito não deveria eternizar-se.
Passados mais de 20 anos, investido no Ministério da Justiça, determinei a instauração de dois inquéritos e usei das mesmas expressões. Os inquéritos não deveriam ser “rigorosos” nem “lenientes”, mas deveriam primar pela exação. Bastava esta.
Isto posto, a cada dia se diz alguma coisa a respeito de CPI; tudo começou quando em reunião-almoço com empresários, dia 17 de março, declarou o ilustre governador do Rio Grande do Sul que concordava com a investigação parlamentar de fatos que envolviam o Daer, declaração que levou deputados da base do governo, sic, é a denominação agora atribuída a deputados que apoiam o Executivo, a assinar o requerimento de criação da CPI; contudo, durou pouco a alegria, pois, segundo a imprensa, se montara a denominada “operação abafa”, notícia que desgostou o governador, e a ponto de ser-lhe “indiferente” a CPI dos Pardais, que talvez devesse chamar-se dos Gaviões.
Novas declarações oficiais continuam no dia em que escrevo. Primeiro, leio que o governador preferiria uma investigação do Ministério Público, o que faz lembrar outra CPI ao tempo de anterior governo petista; foi arquivada pelo MP e deu muito a falar; e continuou o governador, “se os deputados têm a prudência de aguardar o trabalho do Ministério Público, para depois verificar se a CPI vale a pena ou não”, e ainda mais, “depois de a base do governo ter esvaziado a criação de uma CPI para investigar supostas irregularidades no Daer, o governador Tarso Genro questionou ontem a necessidade da comissão da Assembleia”.
Ora, o ilustre governador pode achar uma “imprudência” da Assembleia ou que a CPI parlamentar possa diluir o trabalho do Ministério Público… pode abafar ou não a CPI em causa, mas, enquanto a Constituição for Constituição, não pode questionar a CPI, qualificar de imprudência a iniciativa dos deputados, nem da prioridade do Ministério Público, uma vez que a Assembleia tem a prerrogativa constitucional de investigar fato certo de interesse do Estado.
Mas não é só. A maioria da Assembleia, sua maioria absoluta, dois terços dela, pode ser contrária à suposta CPI ou a considerarem imprudente, mas se um terço da Casa e apenas um terço, tollitur quaestio, a CPI será criada, contra as preferências do governador ou as inclinações de dois terços dela. É que, desde a Constituição de Weimar, de 1919, as Constituições têm assegurado à minoria esta prerrogativa. É um caso de decisão minoritária. Entre nós, desde 1934. O governador, letrado como é, está cansado de saber isso. É o que se lê no parágrafo 4º, do art. 56, da Carta do Rio Grande do Sul. E mais. Se a CPI encontrar determinados ilícitos, civis ou penais, encaminharia suas conclusões ao Ministério Público para que ele “promova a responsabilidade civil e criminal dos infratores”… Cada um a seu tempo. Tratando-se de serviço público estadual, pode e deve o governador proceder de maneira a apurar o suspeito ou ilícito, mas não queira acoimar de imprudente a prerrogativa constitucional da minoria, cujo exercício independe do que pense ou queira o Poder Executivo.
Fonte: Zero Hora, 04/04/2011
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