Estão todos com pedras na mão prontos para mirar no próximo infiel que dê o menor sinal de pecador. Uma frase mal colocada, um título com ironia ou a falta de reverência a uma causa bastam para os patrulheiros começarem o massacre moralista no Facebook.
Só nesta semana, o publicitário Washington Olivetto foi alvo de um linchamento virtual por dizer que “empoderamento feminino” é um clichêpoliticamente correto e por defender uma propaganda que comparava uma mulher a um Porsche. E Ney Matogrosso foi acusado de homofobia —Ney Matogrosso acusado de homofobia— por ter dito “que gay o caralho. Eu sou um ser humano, uma pessoa”.
A patrulha moralista domina tanto a esquerda quanto a direita. Olavo de Carvalho leu um gibi da “Turma da Mônica” com a frase “meu corpo, minhas regras” e em milésimos de segundo concluiu: a revistinha havia se transformado “num odiento discurso abortista”! A roteirista da publicação foi ameaçada e ganhou montagens com ofensas. Na verdade, a Mônica do gibi usou a frase para reclamar de quem insistia para ela usar aparelho dentário e deixar de ser dentuça.
Na esquerda, Jean Wyllys é quem costuma entender errado declarações só para ouriçar seus seguidores e ganhar compartilhamentos. Em 2012, Gilberto Dimenstein se perguntou aqui na “Folha se São Paulo” precisava “importar um baiano” para a secretaria de Cultura. Bastava ler o texto para perceber que o colunista defendia a contratação do baiano Juca Ferreira porque São Paulo “é aberta, marcada pela diversidade”. Mas Jean Wyllys não quis entender: viu ali uma demonstração de xenofobia e de ódio paulista aos nordestinos.
Um antídoto contra a histeria moralista das redes sociais é o princípio da caridade. Esse princípio da filosofia exige interpretar da melhor forma possível as palavras do interlocutor. Será mesmo que Olivetto vê mulheres como objetos? Será mesmo que havia mensagens em defesa do aborto no gibi da “Turma da Mônica”?
O princípio da caridade tem o poder de torná-lo imune à indignação coletiva. Eu ainda hoje não consigo entender a revolta contra os estudantes gaúchos que organizaram a festa “Se nada der certo”. Ora, até o movimento negro considera algumas profissões melhores que outras —justamente por isso defende cotas raciais nas universidades. Para quem estuda para o vestibular, como os jovens gaúchos, “não dar certo” significa não passar no vestibular. Pronto, caso encerrado.
O melhor caminho para a paz nas redes sociais é deixar fogueiras e apedrejamentos para os tempos da Inquisição. Na maioria das vezes, as pessoas não disseram nem fizeram nada tão monstruoso quanto imaginamos
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 26/07/2017
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