O plano traçado no fim do ano pelo governo e pelo Congresso para agilizar a tramitação da reforma tributária começou com atraso. Anunciada em dezembro, a comissão de deputados e senadores que deveria ter trabalhado durante o recesso para unificar as duas propostas no Congresso ainda não saiu do papel.
Se não avançar no primeiro semestre, a votação da medida corre o risco de ficar para 2021 e só entrar em vigor em 2022, último ano do mandato, dizem analistas e parlamentares.
Novos impostos só passam a valer no ano seguinte à sua aprovação. A possibilidade de um adiamento é acompanhada com atenção pelo empresariado, que considera a proposta uma prioridade para melhorar o ambiente de negócios.
Por enquanto, o clima entre representantes do setor produtivo é de expectativa.
– A gente sabe que precisa de uma discussão mais ampla, há pontos a se equacionar, mas a sinalização dos presidentes das duas Casas é de agilizar – diz o gerente-executivo de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco.
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Para a Confederação Nacional do Comércio (CNC), a reforma é “urgente e prioritária”, disse a entidade, em comunicado. A organização não respondeu se espera que a reforma seja aprovada em 2020.
No último ranking Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil caiu da 109ª posição, em 2018, para a 124ª, em 2019, na avaliação da facilidade de fazer negócios. No quesito burocracia para pagar impostos, o país é o pior da lista.
Divisão do mundo político
Hoje, duas propostas tramitam no Congresso para mudar esse quadro: uma na Câmara e outra no Senado. Em 18 de dezembro, após se reunir com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou que uma comissão para unificar esses dois projetos seria criada no dia seguinte. A promessa não se concretizou, e o colegiado só será instalado no mês que vem.
Segundo técnicos envolvidos na elaboração das propostas, nem reuniões informais ocorreram durante o recesso, como chegou a prometer Alcolumbre em dezembro. Indicado para presidir o grupo, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA) chegou a planejar uma viagem internacional a França, Austrália e Canadá como primeira ação do colegiado. A ideia não avançou durante o recesso.
No governo, a estratégia continua a ser enviar de forma fatiada sugestões para a reforma que será desenhada no Congresso. Nesta segunda-feira, ao voltar das férias, Guedes bateu o martelo sobre a criação de uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), imposto sobre consumo que unificará tributos federais.
Se a reforma está avançada do ponto de vista técnico, a articulação política precisa avançar, disse uma fonte que atua na elaboração de um dos projetos. Segundo este técnico, uma vez batido o martelo sobre que desenho é consenso, os ajustes técnicos podem ser feitos em questão de dias.
Em dezembro, ao fazer um balanço de fim de ano em entrevista à imprensa, Guedes admitiu que o calendário para aprovar propostas em 2020 será curto.
— Como é ano eleitoral, todo mundo sabe que maio, junho, julho é final de ano — comentou o ministro.
A leitura é a mesma de analistas políticos. Na avaliação de Cristiano Noronha, sócio da consultoria Arko Advice, é possível que a proposta só seja aprovada no ano que vem.
— Ao longo dos últimos anos, houve um aprofundamento do debate da reforma da Previdência, em que a mídia e a sociedade entenderam bastante a necessidade das mudanças. Era uma reforma que unia o mundo político, embora dividisse a sociedade. A reforma tributária divide quem decide, divide o mundo político. Ainda não existe um consenso no mundo político — pontuou o analista.
No Legislativo, a capacidade de aprovação de medidas no ano que vem também é vista com cautela.
— Se não sair no primeiro semestre, no segundo é mais difícil, por causa das eleições — comenta o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA).
A regra que diz que um novo imposto só passa a valer no ano seguinte ao da sua aprovação é chamada por especialistas de princípio da anterioridade. Isso vale, por exemplo, para a criação do chamado Imposto sobre Valor Agregado (IVA), ponto central das duas propostas que tramitam hoje no Legislativo.
Leis complementares
O tributarista Paulo Henrique Pêgas, professor do Ibmec-RJ, explica que a regulamentação vale também para as leis que precisarão ser aprovadas para regular o novo tributo, depois que o sistema for criado por emenda à Constituição.
— Tudo o que for debatido e aprovado em 2020 referente a Imposto de Renda, ICMS, ISS e tributos sobre patrimônio só entrará em vigor em janeiro de 2021. Entrariam em vigor no prazo de 90 dias eventuais mudanças em IPI, PIS, Cofins e na CSLL. (A reforma) não pode passar de 2020 — diz o especialista.
A aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) seria apenas o primeiro passo para a reformulação do sistema de impostos. Uma vez alterada a Carta, serão necessárias leis complementares para que os novos impostos passem a valer.
A advogada Ariane Guimarães, sócia do escritório Mattos Filho, reforça a necessidade de regulação. Para ela, é importante ter em mente que as mudanças no sistema tributário serão graduais. E lembra que hoje é difícil estimar os ganhos para a economia com a medida:
— Acredito que deve demorar a vermos efeitos práticos. Vamos ter a coexistência do sistema velho com o novo. Já tivemos essa experiência, e ela mostra que os sistemas ficam mais complexos durante a primeira etapa. É um preço que todos vão pagar juntos, para um bem maior a longo prazo.
O que diz cada projeto
1 – A proposta que está no Senado
Unifica nove tributos — IPI, PIS, Cofins, Pasep, IOF, salário-educação, Cide Combustíveis (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) — e cria o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Prevê a divisão do imposto em dois, no sistema chamado de IVA dual. Os federais serão unificados e administrados pela União.
Já ICMS e ISS serão geridos por estados e municípios. Não mexe no Imposto de Renda, mas prevê que ele agregue a Contribuição Social sobre Lucros Líquidos (CSLL). Está em análise na Comissão e Constituição e Justiça (CCJ), aguardando instalação da comissão mista.
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2- O texto em tramitação na Câmara dos Deputados
Unifica cinco impostos — IPI, PIS, Cofins (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal). Vai se chamar Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um tributo que incide sobre o consumo, assim como o ICMS. Esse tipo de tributo é conhecido por técnicos como Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). Proíbe incentivos fiscais. Não prevê alterações no Imposto de Renda (IR). Está em análise na Comissão Especial, aguardando a instalação da comissão mista.
3 – As mudanças sugeridas pelos estados
Unifica cinco impostos — IPI, PIS, Cofins (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal). Também se chamaria Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Prevê que só estados e municípios alterem a alíquota do novo tributo. Preserva a Zona Franca de Manaus e cria um fundo de desenvolvimento regional.
Não prevê alterações no Imposto de Renda (IR). Foi apresentada como emenda à proposta que tramita na Câmara. Pode ser incorporado ou não ao texto. A decisão cabe ao relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
4- As alterações que o governo pretende apresentar
Provavelmente começará pela unificação de PIS/Cofins. Foi cogitada a criação de um imposto sobre transações financeiras digitais. O governo defende a criação de um imposto sobre o consumo que unifique tributos federais. A ideia é agregar outros impostos aos poucos, mas sem impor a reforma a estados e municípios.
Quanto ao IR, a mudança ficará para uma próxima etapa e prevê a revisão de deduções com saúde e educação. A proposta ainda não chegou ao Congresso. A ideia é apresentar sugestões aos parlamentares, em vez de mandar um novo texto.
Fonte: “O Globo”