O impeachment é a crise das crises presidenciais. O tom do presente dá eco à doutrina político-constitucional clássica. A realidade não deixa mentir. Após um ano perdido, fruto de uma eleição incendiária que, em vez de ideias e verdades, exaltou mentiras e ilusões, a senhora presidente da República está diante de um grave processo de crime de responsabilidade. Aliás, mentir para o povo não seria uma hipótese de fraude à democracia? Enquanto a resposta não chega, a misteriosa força dos acontecimentos fez o furúnculo emergir das subterrâneas relações de poder, tornando o impeachment um fato político objetivo.
Diante da gravidade do quadro institucional instalado, é hora de pensarmos em soluções definitivas; não podemos mais deixar o Brasil à mercê da incompetência governamental. A democracia política só funciona eficazmente com um governo probo e responsável. Nesse contexto, é chegado o momento de admitirmos que o presidencialismo brasileiro esgotou-se; o ciclo está fechado. Sem cortinas, eis a grande causa do cataclismo atual: o personalismo e a rigidez presidencial não mais conseguem responder politicamente aos anseios de uma complexa sociedade dinâmica, pulsante e plural.
Como bem apontou Paulo Brossard, “é quando tremem as instituições desajustadas e caducas que o instinto de conservação nacional se aguça e o patriotismo, a inspirar a visão de estadistas responsáveis, entrevê e aponta as soluções salvadoras”. O depoimento do eminente jurista gaúcho revela a opinião de um homem que viu de tudo e viveu demais, levando cintilante brilho, decência e honradez aos três poderes da República. Seguindo a lição do querido amigo e saudoso mestre, a crise atual é uma oportunidade para corrigir o que mal está.
Objetivamente, o impasse político corrente é o retrato fiel das insuficiências do sistema presidencial. Sendo um regime personalista e, por assim ser, dependente das virtudes e capacidades do presidente, o governo entra em curto-circuito nuclear quando o ocupante do Planalto não mostra os pendores necessários para a boa condução dos complexos assuntos públicos modernos. A situação se agrava quando a falta de predicados pessoais é associada à truculência da inabilidade política. Ora, parafraseando o grande Otávio Mangabeira, política é boa conversa e, às vezes, conversa longa e demorada; trata-se de uma arte de conciliação de interesses diversos, um artesanato de negociações possíveis à luz da lei e do espírito público intemerato.
Paralelamente à mudança do sistema de governo, precisamos resgatar a essência institucional dos partidos políticos. Objetivamente, no mundo das cifras, os partidos foram transformados em autênticas sociedades anônimas do milionário mercado das urnas. Isso, definitivamente, não pode continuar. Ao analisar a decrepitude da vida pública nacional, a lente invulgar de Raul Pilla, em um dos seus discursos de despedida da Câmara, foi precisa ao afirmar que “não havendo realmente partidos, o voto torna-se essencialmente individual, passa a processar-se de indivíduo para indivíduo, tem o cidadão o direito, para não dizer o dever, de procurar os seus candidatos onde melhores os encontre, já que outro critério válido para a sua consciência, em rigor, não existe”. Consequentemente, o individualismo personalista acabou por aniquilar a função orgânica e pedagógica dos partidos políticos na democracia brasileira.
O sistema parlamentarista, por forçar uma maior concatenação estrutural da vida política, também servirá para moldar os partidos em uma forma superior. Não há mais o que esperar. Se hoje não temos mais a presença de Pilla e Brossard em nossas fileiras, carregamos o exemplo perpétuo de um alto ideal que nunca se deixou corromper. Chega. Parlamentarismo já! Ou vamos continuar com a tirania presidencial que aí está?
Fonte: Gazeta do Povo, 29/12/2015.
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