No Brasil do pós-guerra, antes da gestão atual de governo o Brasil elegeu oito presidentes da República pelo voto direto: Eurico Dutra, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Rousseff. Desse pequeno conjunto de indivíduos, quatro acabaram mal: Getúlio deu um tiro no coração, Jânio renunciou e Collor e Dilma foram objeto de impeachment. O “placar” de insucessos, por enquanto, está, digamos, em 4 a 4. A gestão de Jair Bolsonaro vai, por assim dizer, “desempatar” essa partida, lembrando que a palavrinha fatídica já começou a frequentar o noticiário político, ainda que sem desdobramentos decisórios no âmbito do Congresso Nacional.
O fato é que não há como essa estatística acerca da “taxa de mortalidade” dos governos não provocar alguma reflexão, especialmente quando se leva em conta que, em todos os casos, as crises que levaram ao fim dos governos tiveram como pano de fundo sérias desavenças entre o Executivo e o Legislativo quanto aos rumos a seguir. Mais ainda: talvez com exceção de Dutra, os outros governos foram também objeto de sérias ameaças. JK teve de driblar uma tentativa de golpe militar; FHC, uma proposta de impeachment vocalizada por Tarso Genro na crise de 1999; e Lula “bateu na trave” no mensalão, em 2005.
Não é preciso ser um luminar da política para chegar à conclusão de que parece haver algo errado na organização do País. E nem me vou alongar muito sobre o drama que é ter de lidar com 25 ou 30 partidos para fazer o País funcionar, algo que se agravou até o paroxismo nas últimas duas ou três décadas.
Creio que o Brasil deveria revisitar seriamente a discussão sobre o regime de governo. Parte dos conflitos que temos no País decorre da contradição entre elegermos, no mesmo dia, um presidente da República, votado com um número de sufrágios consagrador, e um Congresso que carece de um denominador comum e é extremamente fragmentado. Disso decorre depois uma dificuldade de agenda, que pode avançar (ou não) se as circunstâncias externas e/ou as características pessoais do governante de plantão ajudarem (ou não), mas que tem enorme possibilidade de fracassar em tempos difíceis e/ou quando o presidente da República não é muito treinado nas artes da negociação.
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Não ignoro os problemas do parlamentarismo. A Bélgica ficou meses a fio sem conseguir formar um governo e, em países mais citados no noticiário internacional, tivemos recentemente os casos muito comentados da Espanha e de Israel,
que tiveram de realizar até quatro eleições antes de conseguirem – quase por exaustão – formar um novo governo. Ao mesmo tempo, estou convencido de que, apesar da nossa diversidade de partidos, por certas características locais é menos complicado construir uma coalizão governante funcional no Brasil, com nosso vasto “meião” parlamentar – que tende a compor com muitos governos –, do que em países onde há apenas quatro ou cinco partidos fortes, mas onde resistências muito profundas de uns em relação a outros grupos dificultam enormemente a formação de maiorias.
Além disso, no regime parlamentarista a consciência do voto deveria aumentar, no sentido de que o cidadão perceberia melhor como a sua decisão de votar em A ou B influenciaria como a sua vida seria nos quatro anos seguintes, algo que definitivamente não parece ser muito levado em conta pela grande maioria dos eleitores, hoje, quando escolhe o nome do deputado para votar.
Por outro lado, pessoalmente, sou da opinião de que, se formos seguir essa experiência, deveríamos adotar o modelo “puro”, como o israelense ou o alemão, em que o poder é plenamente exercido pelos parlamentares, que elegem o primeiro-ministro; e não o francês, onde a escolha de um presidente da República pelo eleitorado cria sempre o risco de uma “coabitação” conturbada, ou, alternativamente – como com Emmanuel Macron –, acaba não diferindo muito do presidencialismo tradicional.
Sei que o que defendo é hoje, provavelmente, minoritário e se trata de uma proposta polêmica. Porém tentei argumentar acima que há razões para pensar no tema. É claro que, se o Brasil adotar o regime parlamentarista, isso não poderia ser com o jogo já em curso. E sou consciente de que os times já se estão preparando para entrar em campo em 2022 com as regras atuais. Ao mesmo tempo, quem se eleger em 2022, depois da atual experiência e com os conflitos a que estamos assistindo, terá provavelmente de recriar alguma forma de coalizão de partidos – espera-se que com menos vícios –, como as que vigoraram no Brasil até 2018.
Assim, concretamente, a proposta para reflexão é debater a possibilidade de que os principais candidatos à Presidência da República em 2022 se comprometam a apoiar a realização de um plebiscito, em 2024, para modificar o sistema de governo a partir de janeiro de 2027. Se o presidencialismo for mantido, nada mudará. Porém, se o parlamentarismo for aprovado, as eleições de outubro de 2026 já se dariam no novo sistema. O Brasil precisa formar maiorias claras para governar.
É algo para se pensar.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 1º/7/2020