O ensino de matemática no Brasil, em média, está longe do ideal. Na última edição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), os alunos do país ficaram na 58ª posição entre 65 economias mundiais. Mas isso não significa que não temos grandes talentos nessa disciplina. A prova disso está no peito. A cada ano, estudantes brasileiros conquistam mais medalhas em competições internacionais de matemática. No último fim de semana, a equipe tupiniquim bateu seu recorde ao receber 24 na Olimpíada Mundial de Matemática Universitária, na Bulgária. Mês passado, os seis representantes nacionais voltaram da África do Sul premiados após a olimpíada mundial para alunos do ensino básico. O Brasil está bem atrás de países como China e EUA, mas já temos o melhor desempenho da América Latina.
A matemática sempre foi vista como um bicho de sete cabeças, mas isso pode estar mudando. Um bom termômetro é o salto surpreendente no número de inscrições para a Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM), que acontece anualmente em colégios da educação básica de todo o país, organizada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Em 2013, 200 mil estudantes encararam o desafio. Este ano, são 560 mil inscritos, o que significa um aumento de 180%. Em 1998, apenas 40 mil participavam da competição. Vale lembrar que a inscrição é voluntária e não faz parte do currículo escolar do MEC.
— Na escola, a matemática é nivelada pela exigência mínima, apenas o que é preciso para passar de ano. O aluno vê uma matéria mecanizada, chata — afirma o professor de Matemática da PUC-Rio Nicolau Saldanha. — Mas a olimpíada revela o lado criativo da matéria.
Saldanha já foi o coordenador-geral da OBM, que também tem a função de selecionar os seis melhores alunos para representar o Brasil no exterior. O professor, aliás, foi o primeiro brasileiro a participar de uma competição internacional, em 1981, voltando com uma medalha de ouro. Atualmente, treina de modo voluntário os futuros competidores. Segundo ele, o maior interesse pela matemática nos últimos anos foi ajudado pelo avanço das tecnologias.
— Há mais acesso à informação. O aluno que quiser se preparar para as olimpíadas hoje pode conseguir provas anteriores na internet, além de aulas preparatórias on-line — constata.
Além das medalhas e do direito de representar o Brasil no exterior, o premiado nos torneios nacionais recebe livros didáticos doados pela Sociedade Brasileira de Matemática.
Mas instituições como PUC-Rio e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) também oferecem bolsas integrais para os melhores colocados nas competições. A mesma prática é seguida pelas maiores instituições do mundo, como a Universidade de Harvard, nos EUA, que abrem as portas para talentos revelados na Olimpíada Internacional de Matemática (IMO, em inglês).
Preparação em hotel isolado
Mas se Saldanha foi o único brasileiro a conquistar uma medalha em 1981, hoje é difícil algum estudante voltar sem premiação da IMO. Desde aquela primeira, já conquistamos 110 medalhas, sendo nove de ouro, 33 de prata e 68 de bronze, o que torna o Brasil o país latino-americano com o melhor retrospecto na história da competição. Em julho, na África do Sul, todos os seis membros da delegação do Brasil conquistaram com medalhas, colocando o país em 34º lugar em um ranking de mais de cem países.
No mês passado, enquanto o país inteiro pensava em Copa do Mundo, os seis alunos selecionados se concentravam nos problemas e soluções, isolados em um hotel em São José do Rio Preto (SP). As estadias e a ida para a África do Sul foram bancadas pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
— A gente acordava de manhã e já tinha aula, com simulados à tarde. Só parávamos para ver os jogos, e mesmo assim, se fossem importantes — conta Murilo Corato Zanarella, de 16 anos, aluno do 3º ano do ensino médio de São Paulo, que ganhou prata na competição.
Quem quiser representar o Brasil na Competição Internacional de Matemática para Estudantes Universitários (IMC, em inglês), deve antes obter bom resultado na competição nacional. Uma vez com medalhas, os estudantes são convidados a participar dos torneios mundo afora. Em 2003, primeira edição com participação brasileira, foram seis medalhas. Já neste ano, o Brasil conquistou nada menos que 24 medalhas, marcando novo recorde.
O estudante de matemática da PUC-Rio Daniel Carletti foi um deles. Na faculdade, Daniel se inscreveu na Olimpíada Brasileira de Matemática Universitária (OBM-U), pois um professor seu oferecia bolsas de mestrado a quem tivesse êxito na competição.
— Nunca tinha me dedicado muito a olimpíadas no colégio, mas quando soube que iria para o mundial, decidi estudar em paralelo com a faculdade — conta o estudante, premiado com uma medalha de prata na IMC. — E, quando entrei de férias, passava os dias resolvendo provas anteriores.
Daniel estudava em casa, sozinho, ou na companhia do colega de faculdade João Carnevale, de 19 anos, que também foi convidado para a IMC e acabou premiado com uma medalha de bronze.
— Eu participava porque os professores ofereciam ponto extra, mas sempre gostei — diz ele. — Agora, na faculdade, nem posso mais dizer quantas horas eu estudo. É o dia todo, mas encaro isso como diversão. Entre uma aula e outra, eu paro e resolvo um problema.
Fonte: O Globo.
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